A Crise da Justiça

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Célia Gonçalves
Solicitadora
del.pombal@solicitador.net

Os problemas que têm afetado os tribunais e os agentes da justiça desde setembro, devido às falhas na plataforma informática citius, vão agravar a falta de confiança na justiça. A imagem pública atual é a dos tribunais parados, com os processos empilhados, com falta de condições e de funcionários ao serviço da justiça. O encerramento de vinte tribunais, o acesso a vinte e sete secções de proximidade e a redução de competências de muitos outros, traduz-se numa verdadeira restrição do acesso ao direito. Ora a justiça, no sentido mais amplo, é o pilar fundamental do nosso Estado de Direito, tal como prevê a Constituição da República Portuguesa.
O descrédito da justiça portuguesa depende sobretudo do arrasto inusitado dos processos nos tribunais. O colapso na plataforma informática citius, veio piorar ainda mais a situação, provocando graves atrasos em maior parte dos processos, inclusivamente nos processos urgentes, como os processos de insolvência. Contudo o Ministério da Justiça pauta este acontecimento, como uma situação de excecionalidade provocada pelos constrangimentos técnicos que de forma imprevista afetaram o acesso à ferramenta citius. Assim surgiu a necessidade de adoptar medidas para clarificar o regime aplicável à prática de atos processuais, através do Decreto Lei nº 150/2014 de 13 de outubro. Segundo o artigo 2º do referido diploma, considera-se que desde o dia 26 de agosto de 2014, inclusive, a plataforma citius apresenta constrangimentos ao acesso e utilização, que muito dificultam ou impossibilitam a prática de qualquer ato no mesmo sistema informático. Diz-nos o artigo 3º, que esses constrangimentos consideram-se para todos os efeitos um justo impedimento à prática de atos processuais. O artigo 5º do mesmo diploma, estatui que os prazos previstos para a prática de qualquer ato que se tenham iniciado após o dia 26 de agosto de 2014, inclusivamente, ou tendo-se iniciado anteriormente, terminem após essa data, consideram-se suspensos a partir do dia 26 de agosto de 2014, retomando-se a sua contagem a partir do 14 de outubro de 2014, sem contudo prejudicar os atos praticados após o dia 26 de agosto de 2014. Considera-se que cessam os constrangimentos ao acesso e utilização da plataforma citius, com a publicação da declaração do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., na qual se ateste a completa operacionalidade do sistema informático citius, a qual poderá dizer respeito apenas a uma determinada comarca.
Tornando ainda maior a falta de credibilidade da justiça portuguesa.

“Só a injustiça revela a necessidade de justiça, só a injustiça tem realidade, e quando esta desaparece – se isso fosse algum dia possível – a justiça não se mostraria necessária nem necessário seria apelar para si. Só por não existir se procura, só por não ser “é” móbil de acção: quando “é” já não existe como móbil, nem como valor, nem como ideia. A justiça procura-se porque não existe, e se existisse não se manifesta como justiça.”

Paulo Ferreira da Cunha, citando Delfim Santos, in “Tratado da (In)Justiça”, Lisboa, Quid Iuris, 2008, p. 11