Mais do que nunca ouvimos falar hoje em dia de providências cautelares interpostas por cidadãos, grupos ou organizações, especialmente quando se trata de decisões ou medidas governamentais. A avaliação de professores, a novela sobre a venda dos quadros de Miró (entretanto conhecidos como “Mirós”), o fecho de estabelecimentos de saúde ou tribunais, são apenas
alguns exemplos de que nos recordamos. Por outro lado ouvimos falar do Tribunal Constitucional e respectivos juízes, como nunca acontecera antes, chamado a deliberar sobre medidas – particularmente orçamentais – decretadas pelo governo. Não falta até o “suspense” sobre as suas decisões, que alimenta, antes e depois, o comentário dos chamados especialistas. Falamos portanto de órgãos de soberania, de poderes instituídos legitimamente cuja existência e competências são pilares fundamentais da democracia e da sociedade. As perguntas que neste quadro se colocam são estas:
– Há hoje um excessivo recurso aos tribunais na contestação de decisões do governo?
-O que nos revela esta matéria sobre a democracia em Portugal?
As perguntas não são minhas: Foram lançadas pela TSF (Não sei exactamente se por estas palavras), num fórum que recentemente promoveu! As respostas e opiniões que se seguem são minhas (este é um espaço de opinião)!
– Sim, existe um excessivo recurso aos tribunais e á figura da providência cautelar.
– Sem colocar em causa a legitimidade de cada órgão de soberania, a verdade é que, aliando essa procura excessiva, á cada vez maior abstenção em actos eleitorais, conclui-se que a saúde da democracia portuguesa não é actualmente a melhor.
De quem é responsabilidade?
Dos políticos e dos legisladores, dos cidadãos que chamados a opinar através do voto, muitas vezes se demitem dessa obrigação (como já aqui referi em crónica anterior), de todos aqueles que colocam os seus interesses pessoais, organizacionais ou corporativistas acima dos interesses do País no seu todo, de uma sociedade que talvez ainda não tenha interiorizado o Estado. Não se pretende colocar em causa as decisões judiciais necessariamente conscientes, ponderadas e equidistantes dos argumentos em causa. Fazê-lo seria colocar em causa o funcionamento das instituições e das regras de uma sociedade civilizada. São contudo, inúmeras as variáveis em jogo quando uma decisão de um governo ou outro órgão eleito, é tomada. Particularmente quando se gerem recursos, que por definição são escassos. Salvaguardando direitos e deveres fundamentais, as decisões e medidas – boas ou más – de um órgão eleito, são avaliadas periodicamente através do voto. Os juízes não são eleitos pelo voto (nem seria conveniente que o fossem), pelo que as suas decisões não são neste contexto avaliadas por tal mecanismo. Na prática, se um juiz decidir sobre a reorganização de uma rede de cuidados de saúde ou sobre a venda de obas de arte, qualquer que seja a decisão, não a podemos avaliar ou sufragar. Veja-se o caso do túnel do Marquês em Lisboa, alvo de providência cautelar, que resultou em-assumidos hoje- prejuízos para o Estado. Tratando-se de uma decisão política, poderíamos reprová-la (ou não) e penalizá-la (ou não), através do voto. Tratando-se de uma decisão judicial, não tivemos essa possibilidade. Assim, qualquer reforma de fundo que um Governo, uma Câmara, uma Junta de Freguesia, queiram fazer, pode sempre parar numa providência cautelar e consequente decisão que enquanto cidadãos não podemos sufragar. Por isso é que o excessivo recurso aos tribunais sobre medidas políticas e até de gestão, é tão perigoso como a tentação de politizar a justiça.
Jorge Cordeiro