Há palavras que nos marcam logo pela manhã. Melhor: há palavras que, não só passam por nós na rua, escritas na parte de trás de um camião, ficando na retina e na mente, como também originam uma saudável conversa entre mim e o meu filho, a caminho da escola. Permanecem e trazem valor ao nosso dia, portanto. “Overcoming obstacles” (“ultrapassando obstáculos”), assim estava escrito. “Mãe, aquilo não é fácil”. “Não, filho, mas não há outra maneira, para cresceres, tens de fazer aquilo todos os dias da tua vida.”. Há tanto para ensinar e aprender na escola que é a vida para além da escola, basta estarmos atentos. É uma longa escada, com muitos degraus, que vamos subindo, ora a trote, ora a muito custo. Uma escada, ora luminosa de sol, ora inundada da chuva das lágrimas.
Também Jacob, no Antigo Testamento, mais propriamente no livro de Génesis (28, 10-22), se viu confrontado com uma escada, num sonho. Depois de ter fugido de uma luta com seu irmão Esaú, Jacob teve essa visão durante o sono: uma escada, cujos pés repousavam sobre a terra e o topo chegava aos céus. Os anjos continuamente subiam e desciam por ela e, encontrando-se no seu topo, Deus prometeu-lhe a bênção de uma numerosa e feliz posteridade. Quando ele acordou, sentiu-se cheio de gratidão e consagrou o local com o nome de Betel (“casa de Deus”). A simbologia da escada está profundamente ligada à intermediação entre o Céu e a Terra, à ascensão e à evolução de natureza espiritual. Os seus degraus são as várias etapas a ultrapassar para se atingir o divino. Sinónimo de verticalidade, reatando uma harmonia que foi quebrada pela separação na génese do mundo, a escada é um meio ou instrumento de evolução pessoal e de ascensão espiritual. O exemplo da escada também pode ser encontrado sob a forma de método, no Cristianismo, consistindo numa série de trabalhos espirituais que têm de ser ultrapassados, como os sucessivos degraus de uma escada.
Como afirmou Aldous Huxley, “O degrau da escada não foi inventado para repousar, mas apenas para sustentar o pé o tempo necessário para que o homem coloque o outro pé um pouco mais alto”. Até porque a paragem no mesmo degrau, quando é demasiado longa, faz surgir o comodismo e a jactância, aquela gabarolice do ”fico aqui e daqui ninguém me tira” porque “sou melhor do que todos os outros” que estão num degrau mais “abaixo”. O avesso disto é aquilo que tanta gente anónima faz no dia a dia, nas classes profissionais “esquecidas” pelos centros de decisão política e económica, entre elas, a que melhor conheço, a dos professores. Gente que “faz das tripas coração”, que “desce” para que outros “subam”, que “engole sapos” e “faz omeletes sem ovos”, que compra do seu bolso as (muitas) canetas vermelhas para corrigir (muitos) testes dos meninos(as) durante as (muitas) horas de suposto descanso e que se desdobra em múltiplos papéis para além de ensinar (mãe/pai, fornecedor de lenços de papel e ombro amigo, enxugador de lágrimas, apagador de incêndios, confidente e conselheiro, em turmas de quase três dezenas de alunos).
Numa só palavra, mesmo uma só palavra, que deveria ser, simultaneamente, para todos, a mais eficaz forma de lidar com a “escada”: “humildade”. Que ela deixe de ser uma mera palavra lançada ao vento e tome, para todos, a forma de ação, pois assim, descendo, todos poderíamos subir, bem alto: “Não se larga um hábito arremessando-o pela janela, é preciso fazê-lo descer a escada degrau a degrau” (Mark Twain).
Graciosa Gonçalves