Não bastava esta coisa da pandemia e o calor infernal dos últimos dias… Ainda tinha de acordar com aquele murro no estômago que foi a notícia da morte de Ennio Morricone. Serão por ele algumas das palavras que aqui vos deixarei.
Por estes dias muito se tem falado da TAP. Mas eu quero começar mesmo por falar é “do” TAP. O Teatro Amador de Pombal prepara-se para celebrar este verão 44 primaveras. E é já no dia 13. Não haverá espectáculo novo, nem Praça das Letras, mas a data será assinalada com dois eventos públicos. Primeiro, no dia 16, com uma conversa sobre a importância do Teatro nos Espaços Públicos, Residências Artísticas e intercâmbios entre Companhias. Além do anfitrião Humberto Pinto, a conversa faz-se com o pombalense Miguel Sopas e com Sérgio Fernandes, do Teatro Só. E o tema da conversa tem o seu quê de apropriado para a ocasião. É que por estes dias, o Teatro Só vai -se fixar em Pombal para uma residência artística no Teatro-Cine, de forma a ultimar a sua mais recente produção. Qual pescadinha de rabo na boca, essa mesma produção, de título “Sombras”, vai ter estreia nacional (e mundial) no dia 18, aqui na cidade. Sim, porque esta coisa do Covid fez cancelar vários espectáculos da Companhia, incluindo algumas datas onde o espectáculo se poderia estrear. Por certo muitos de vós não conhecerão o trabalho do Teatro Só, mas quem já teve oportunidade de assistir deve estar bem lembrado. Por cá passaram as suas produções anteriores, “Sorriso” e “Somente”, que não deixaram indiferentes aqueles que as viram. Normalmente o Teatro Só trabalha multidisciplinarmente, juntando a técnica da máscara com o teatro físico, criando espectáculos com forte carga poética, sem utilizar qualquer diálogo. Sobre “Sombras” só sei que aborda o tema da violência doméstica e que me está a deixar bastante curioso sobre a abordagem que será feita. Se quiser assistir, não se esqueça de reservar bilhete (apesar de ser de entrada gratuita) e da máscara.
E do teatro mudo dou um salto para o cinema mudo. As sessões do Cine Clube de Pombal estão de volta e ao ar livre. A partir da próxima 4ª feira, dia 15, são retomadas as exibições, na Praça Marquês de Pombal, prosseguindo com filmes que marcaram a História do Cinema. Destaco aqui os dois próximos, de dois dos maiores génios (dos primórdios) da sétima arte. No dia 15 podemos ver “O Garoto de Charlot” (The Kid, 1921), aquele que é considerado por muitos como o mais pessoal dos filmes de Charles Chaplin. Filmado numa altura conturbada da sua vida, demorou mais de cinco meses a rodar. Uma eternidade para a época. Mas no final acabou por compensar, pois Chaplin teve possivelmente o seu maior êxito. O “garoto” Jackie Coogan tornou-se uma estrela, descobrindo pouco depois que os pais tinham gasto o dinheiro que ganhava. Foi devido a isso que se criou uma lei para proteger os jovens actores. Coogan, na altura considerado a mais bonita criança do Mundo, acabaria por voltar a ter algum sucesso, muitos anos depois, protagonizando o Tio Fester, da Família Addams. A 22, o convite é para ver “Pamplinas Maquinista” (The General, 1926). O melhor filme de Buster Keaton é inspirado em eventos reais passados na Guerra Civil Americana, mas não deixa de ser uma grande comédia. No filme, como era habitual, Keaton gravou as suas próprias cenas perigosas e, não poupando a meios, filmou a cena mais cara de toda a História do cinema mudo. Estes são mesmo dois filmes a não perder e que, por certo, não terá muitas oportunidades de ver ao ar livre.
Por último rendo a minha homenagem ao grande Ennio Morricone, falecido esta semana, que também tem algo em comum com Charles Chaplin. Apesar de considerados génios nas suas artes, ambos receberam óscares honorários antes de finalmente receberem a estatueta dourada pelo trabalho num filme. Curiosamente, o de Charles Chaplin não foi pela interpretação, direcção ou escrita, mas pela composição da banda sonora de “Luzes da Ribalta”. Mas voltando a Morricone… Quando a 6 de Maio do ano passado, finalmente, tive a oportunidade de o ver ao vivo, já sabia que provavelmente seria a única vez. Por alguma coisa a digressão que o trouxe a Lisboa chamava-se “de despedida”. Fez as bandas sonoras de mais de 500 filmes e séries, pequenas e grandes produções, onde deixou o seu cunho pessoal. Abarcou quase todos os géneros cinematográficos, até a ficção científica e o erotismo. Deixou-nos a música dos western spaghettis de Sergio Leone, dos dramas de “A Missão”, “Cinema Paraíso” ou “Era Uma Vez na América”, do suspense de “Os Intocáveis”, e de tantos tantos outros. Foi a um tema seu que Dulce Pontes juntou a letra para cantar o “Amor a Portugal”, ouvido a primeira vez em 2003 na inauguração do novo estádio de Alvalade. Hoje curvo-me humildemente perante o seu legado e agradeço-lhe o que nos deixou. Nas palavras de Hanz Zimmer, “um bom maestro respira com a orquestra como um só. Quando ouvirmos as suas composições, estaremos a ouvir a sua respiração… podemos não o ver… mas vamos sempre ouvi-lo… Ciao, Maestro!”.
PS: Deixo aqui apenas um ligeiro apontamento. Apesar de ter composto a grande maioria dos temas da banda sonora de Cinema Paraíso, não foi Ennio Morricone que compõs o “Love Theme” desse filme e que tem sido muito partilhado após a sua morte. Foi o seu filho Andrea.
Nuno Oliveira