Manuel Duarte Domingues
manuel.duarte.domingues@gmail.com
Levantava-me às seis horas e meia da manhã. A minha mãe levantava-se às seis, para preparar o café, fazer a torrada e arranjar as coisas para me facilitar os preparativos. Depois pedalava na bicicleta cerca de cinco quilómetros, inicialmente para Albergaria dos Doze, mais tarde para Litém, fazendo depois a viagem de comboio até Pombal, para a Escola Industrial e Comercial. As dificuldades maiores surgiam no inverno, com a chuva e o frio que os impermeáveis de plástico apenas amenizavam. Eram assim os transportes escolares dessa época.
As aulas começavam às oito e meia e acabavam à tarde. A seguir, fazíamos a viagem em sentido inverso, chegando a casa, especialmente no inverno, já de noite. Isto sucedeu entre os doze e os dezassete anos. Aproveitava os sábados e domingos para estudar e ler. Não havia eletricidade, pelo que, os estudos eram feitos à luz do candeeiro de petróleo. As estradas eram de terra batida, com buracos, lama e outros problemas para os ciclistas, incluindo furos arreliadores e quedas dolorosas. Apesar destas dificuldades e dos sacrifícios, era importante aprender, ter boas notas para não perder tempo e para usufruir de bolsas de estudo, preparar o futuro…
2 Há dias fiz uma viagem na A13 entre o Pontão e Coimbra. Trata-se de uma autoestrada recente que liga Tomar a Coimbra, faltando o troço entre Tomar e Santarém que permitiria a ligação direta à A2, que segue para o Algarve. Sugiro aos leitores que façam a viagem antes referida, não saindo em Condeixa, mas continuando até Coimbra. Vão ficar extasiados com as pontes, obras de arte, montanhas cortadas, milhões de euros gastos. Claro que a poucos quilómetros, paralelamente fica a A1 e logo a seguir a A17, de Leiria a Aveiro, com três faixas de rodagem e muito pouco utilizada.
Três autoestradas paralelas, uma desnecessidade absoluta, num país pequeno e estreito. Uma seria suficiente com ramificações laterais. Seria interessante ver os estudos de tráfego que viabilizaram estas autoestradas, ver os volumes estimados e comparar com os valores reais desde a abertura. E depois responsabilizar quem fez estas obras, que os nossos descendentes irão pagar durante muitos anos, incluindo os elevados custos de manutenção, no futuro.
3 O Governo do “engenheiro” que, sendo grande adepto das modernas tecnologias, se licenciou fazendo exames ao fim de semana e enviando as respostas por fax, prometeu aquilo a que chamou o cheque-bebé, valor que seria um prémio para os bebés que tivessem a sorte de nascer nessa época. Era uma boa medida para incentivar a natalidade. Só que esta promessa nunca foi cumprida, nunca entrou em vigor, não foi passado nenhum cheque-bebé.
Sabemos que a tendência para a diminuição das taxas de natalidade tem vindo a agravar-se, drasticamente, desde há alguns anos. O resultado teria que ser a redução da população escolar que se tem acentuado e levado ao encerramento de escolas dado o número reduzido de alunos.
4 Ou seja, a falta de visão dos governantes, dando prioridade àquilo a que se convencionou chamar de “política do betão”, construindo estradas muitas vezes sem necessidade porque o volume do tráfego não justificava a sua construção, conduziu-nos a uma situação curiosa, especialmente em relação às zonas do interior do País. Temos boas estradas e as comunicações são mais fáceis mas cada vez circulam menos automóveis e há menos população.
Se tivesse havido um correto planeamento da economia, apoiando iniciativas empresariais locais, aproveitando as potencialidades naturais de cada zona, teria sido criado emprego produtivo, as populações fixar-se-iam nas suas comunidades, em vez de procurarem emprego nas grandes cidades. E já não haveria necessidade de fechar escolas e deslocar os alunos para outras escolas mais distantes da sua área de residência.
Não será difícil concluir que os fundos comunitários foram, demasiadas vezes, mal aplicados, muitas vezes financiando obras desnecessárias. Se tivesse havido uma aplicação correta e realista, se esses fundos tivessem sido utilizados no apoio ao investimento produtivo, a nossa economia seria agora diferente porque seria produzida mais riqueza e não teríamos os problemas macroeconómicos que têm afetado e continuarão a afetar a vida dos Portugueses.
5 Chegámos assim a uma situação em que as assimetrias regionais são acentuadas e será muito difícil e demoraremos muitos anos a corrigi-las. A economia tem que funcionar, aproveitando as potencialidades naturais de cada região para criar riqueza, produzir bens, substituir as importações, reduzir a nossa dependência do exterior, criar e manter postos de trabalho, reduzindo o desemprego.
O quadro comunitário que entrará em vigor este ano e que terminará em 2020 será fundamental para atingir os objetivos atrás referidos. Para isso terá que se privilegiar a aplicação dos fundos comunitários na economia produtiva, mas devendo ser exercido um controlo rigoroso na sua aplicação e acompanhamento posterior.
Deverá assim ser dada prioridade ao investimento produtivo, especialmente do setor privado industrial, em detrimento do setor público que tem sido o grande beneficiário, construindo obras públicas tantas vezes desnecessárias.
Esperemos que quem tem o poder de decisão consiga fazer frente e vencer os diversos centros de interesses (lobies), que têm comandado e influenciado até aqui os decisores públicos: autarquias locais, interesses políticos, grandes construtoras, bancos, etc., etc. E que sejam dados incentivos reais às famílias que permitam o aumento das taxas de natalidade, incentivando e apoiando fortemente os casais jovens que queiram ter filhos.
Se isso não suceder, regrediremos muitos anos e correremos o risco de voltar a andar de bicicleta para estudar, trabalhar, sobreviver. Este é, seguramente, um cenário que nenhum português deseja.
Encaremos então o futuro com otimismo, mas trabalhemos todos para evitar que o tempo volte para trás e para que possamos construir um futuro melhor.