CÉLIA CAVALHEIRO | “Os resultados eleitorais são a prova de que o BE tem apoiantes”

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Célia Carvalheiro foi a primeira eleita pelo Bloco de Esquerda (BE) para a Assembleia Municipal e, passados quatro anos, acredita que é possível o mesmo feito para a Câmara, mesmo tendo consciência que esta eleição “é a mais difícil”. A candidata considera que “falta um plano integrado e a longo prazo” para o concelho e critica as prioridades do executivo. Por isso, propõe-se fazer uma oposição “forte e destemida”.

Pombal Jornal (PJ) – O que é que a leva a candidatar-se à presidência da Câmara de Pombal?
Célia Carvalheiro (CC) – Várias coisas. Desde logo a vontade de continuar esta luta local. Fui a primeira eleita pelo BE, daí ser a pessoa dentro do partido com mais experiência na política local.

PJ – Então os últimos quatro anos enquanto deputada municipal motivaram-na a avançar com a candidatura à Câmara?
CC – Sem dúvida nenhuma. É a ordem natural das coisas. Mas por outro lado porque a maior parte das pessoas que estão comigo, juntaram-se ao partido neste último ano. Por isso, tenho a missão de lhes passar os ensinamentos que recebi nestes quatro anos, porque é de minha vontade, assim como do partido, que o BE tenha vindo para ficar. Além disso, num concelho tão virado à direita, é importantíssimo que haja uma oposição efectiva, verdadeira, forte e destemida, que é o que, na minha opinião, não tem havido nas últimas décadas em Pombal.

PJ – Acha que a oposição não tem feito um bom trabalho ou poderia ter feito mais?
CC – Até eu entrar. Eu não sou a salvadora da pátria, mas a oposição tem deixado muito a desejar todos estes anos, por vários factores. Eu culpabilizo a oposição, sobretudo o PS, que já tem outra dimensão, tanto a nível nacional, como local, para apresentar outro tipo de luta. No caso do Bloco e de outros partidos mais pequenos, o crescimento é mais lento.

PJ – Porque é que é mais lento?
CC – O concelho já foi PS. Mas, além de pertencermos a um concelho tradicionalmente de direita, o anterior presidente, Narciso Mota, aplicou uma receita que funciona muito bem: quem não está comigo, está contra mim. E exerceu forças para prejudicar pessoas que se atreveram a dar a cara até pelo PS e, assim, foi tirando força ao PS. Desta forma, criou-se um medo generalizado de dar a cara por outros partidos. E quando somos donos disto tudo perdemos a noção do que é que podemos ou não fazer. A oposição é fraca e podia fazer melhor, mas a realidade é que foram arranjando formas de a fragilizar cada vez mais.

A oposição é fraca e podia fazer melhor

PJ – Acha que as pessoas se identificam com as ideias do BE, mas têm medo de assumir isso publicamente?
CC – Acho. Quando fui eleita há quatro anos, o BE já era a terceira força política no concelho e não tinha uma pessoa com mais de 40 anos para dar a cara. E porquê? Tenho convidado Pombal em peso e a maior parte das pessoas acredita em mim e no meu projecto, mas refere que têm muito a perder. Tenho recebido muitos nãos, mas os resultados eleitorais são a prova de que o BE tem apoiantes.

PJ – Mas o BE não tem crescido em militantes?
CC – Tem.

PJ – O que é que contribuiu para esse crescimento?
CC – Por incrível que pareça, um dos factores que fez com que a militância aumentasse foi a postura do André Ventura nas últimas Presidenciais.

PJ – Está a dizer que as polémicas à volta do partido Chega impulsionaram o crescimento do Bloco?
CC – As pessoas perceberam que a ideia de que os políticos são todos iguais e o não quero ter nada a ver com isso, deixa o caminho aberto para partidos como o Chega, por isso resolveram arregaçar as mangas e ir à luta. Perceberam que o populismo e a extrema direita está a crescer em Portugal, precisamente por se desvalorizar a política. Se queremos uma sociedade melhor, seja em termos políticos ou outros, temos de arregaçar as mangas e não nos limitarmos a dizer que os políticos são todos iguais. Se acho que as pessoas que estão na política não são boas, eu tenho uma cota parte de culpa, porque não basta não votar neles, é preciso ir à luta.

PJ – E foi isso que a motivou a integrar o BE?
CC – A mim e a muitas pessoas que agora se associaram. Foi ver muitas pessoas com o discurso de extrema direita. Não podemos ficar de braços cruzados, temos de lutar contra as ideias com as quais não concordamos.

PJ – O que seria um bom resultado para o BE nestas eleições?
CC – Eleger pelo menos um elemento em cada um dos órgãos em que nos vamos candidatar, que são a Câmara e Assembleia Municipal, bem como as juntas de freguesia de Pombal e do Louriçal.

PJ – Quem são os cabeça de lista às freguesias de Pombal e Louriçal?
CC – O cabeça de lista à Junta de Freguesia do Louriçal vai ser João Pedro Domingos e à Junta de Freguesia de Pombal vai ser Sónia Godinho.

PJ – A voz do BE faz falta na Câmara Municipal?
CC – Faz, apesar de ser muito difícil. Tenho consciência que a eleição da Câmara é a mais difícil, mas acredito que é possível.

PJ – O que é que Pombal ganhou em ter um deputado do BE na Assembleia Municipal?
CC – Imenso. Assim que cheguei apresentei logo uma proposta para integrar nos quadros todos os precários que trabalhavam em órgãos públicos, neste caso na Câmara Municipal. Posso dizer que a minha primeira proposta foi aprovada com o meu voto a favor e a abstenção de todos os outros deputados. Caricato…
Com muito orgulho o meu partido anda sempre à frente, tanto que a segunda proposta foi para a Assembleia se posicionar contra a prospecção de gás natural e a favor do cancelamento dos furos de petróleo na região, com a qual fui muito gozada. E a presidente da Assembleia, em vez de pedir aos deputados para me respeitarem, ainda se riu. Eu já sabia que poderia pedir a defesa da honra, mas aquilo foi uma situação surreal. Tudo com a permissão da presidente do órgão.

PJ – Ao longo do mandato tem-se queixado várias vezes de desrespeito por parte da presidente da Assembleia…
CC – Sim, porque ela é que tem de exigir respeito entre todos os elementos da Assembleia. São vários os deputados a referirem-se a mim em tom de gozo, mas eu não os culpo. Ela é que ainda não percebeu que o cargo de presidente de Assembleia Municipal exige imparcialidade, apesar de ter uma ideologia política e ter sido eleita nessa condição. Já fui várias vezes silenciada com o microfone desligado.

Já fui várias vezes silenciada com o microfone desligado

PJ – Quais são as prioridades do BE para o concelho?
CC – A pandemia veio mostrar as fragilidades do país, porque a partir de determinada altura deixámos de produzir tudo e decidimos dedicarmo-nos ao turismo, devido às nossas praias e ao clima. Temos de usar os ensinamentos da pandemia, em que assistimos a muitas empresas que reconverteram a sua produção. Tanto o país, como o concelho, precisam de ter um garante de produção mínima para subsistir em caso de crise, seja pandémica, económica, ambiental ou catastrófica. Portanto, ao nível do concelho defendo que se deve estudar o que conseguimos produzir para perceber o que importamos e se se justifica importar tanto. Não é por não ser positivo haver trocas comerciais, mas para valorizar o que é nosso.
Em termos turísticos temos serra e mar, mas não tiramos proveito disso.

temos serra e mar, mas não tiramos proveito disso

PJ – Acha que este executivo não tem sabido investir no turismo?
CC – Não, não tem sabido investir no turismo. Um turista chega a Pombal olha para a serra e vê uma pedreira maior que o castelo, mas temos a Bandeira Verde de município ambientalmente sustentável. Inacreditável! Temos também duas Ecofreguesias, mas como é que o Louriçal pode ser Ecofreguesia se 70% do seu território ainda não tem saneamento. Estamos a brincar com o ambiente.

PJ – Acha que o investimento no saneamento era imprescindível?
CC – Obviamente, porque o saneamento é o princípio básico para manter os cursos de água descontaminados. Portanto, é urgente fazer o pleno saneamento antes de pensar em interfaces de quatro milhões de euros que liguem o Cardal à rodoviária.

PJ – Na sua opinião essa obra não é urgente?
CC – Não tem sentido criar uma passagem pedonal do Cardal para a rodoviária, quando temos passagens pelo viaduto e pela estação de comboios. Não percebo como é que decidem fazer uma passagem pedonal no Cardal, mas não fazem na zona do estádio para a rua do Seixo ou no Cabaço para dar acesso ao Bairro Margens do Arunca. Não se admite que as pessoas deste bairro e da rua do Seixo continuem a arriscar a vida diariamente para atravessar a Estrada Nacional 1 (EN1).

PJ – Acha que este executivo não tem sabido priorizar?
CC – Obviamente que não. Não é admissível gastar quatro milhões de euros no interface e não construir passagens pedonais para o Bairro Margens do Arunca e rua do Seixo. Como não é à toa que o Município de Pombal é o que tem maior desfasamento entre a freguesia sede de concelho e as restantes freguesias.

Não é admissível gastar quatro milhões de euros no interface

PJ – O que é que defende para minimizar esse desfasamento?
CC – Investir mais nas freguesias e menos na cidade. Fazer o pleno do saneamento, executar passeios, ligar as freguesias com ciclovias… Há dias inaugurámos o Pombike com toda a polémica associada, porque o presidente de Câmara sempre teve a prepotência de que é o melhor e faz tudo ao ponto de nada delegar aos vereadores. Quando temos uma equipa temos de confiar nela. Por muito que trabalhe, o produto do seu trabalho fica sempre aquém, é diferente trabalhar um sozinho, mesmo que seja 24 horas por dia, ou com uma equipa de cinco pessoas.

PJ – Como avalia o trabalho do actual executivo nos últimos quatro anos?
CC – Deixou muito a desejar.

PJ – Porquê?
CC – Desencalharam a Casa Varela, mas o CIMU Sicó continua um belo problema. Agora divulgam que vamos ter ensino superior e vão comprar o Hotel Pombalense.

PJ – Concorda ou não com a aquisição do Hotel Pombalense?
CC – O Hotel Pombalense é uma unidade hoteleira e as salas de aulas não têm o mesmo pé direito que um hotel. Portanto, acho disparatado e descabido associar os tais cursos TESP ao hotel, a não ser que seja para estadia dos alunos. Para fazer obras para instalar o pólo do IPL não faz sentido, porque vai ser necessário destruir o edifício de cima abaixo e nem sequer tem espaço para fazer um parque de estacionamento automóvel.

PJ – Então que espaço propõe para instalar o núcleo de formação do IPL?
CC – Tantos. Eu sei que está na moda instalar tudo no centro da cidade, mas a ETAP tem muitos alunos e está no Parque Industrial Manuel da Mota. A ESTG de Leiria e o Pólo 2 de Coimbra também estão fora do centro da cidade e não é por isso que não movimentam a cidade. Há transportes públicos…. Ora à entrada do Parque Industrial Manuel da Mota está um edifício abandonado que poderia muito bem servir para essa finalidade, bastava criar várias ligações diárias da rede de transportes públicos Pombus. Importa ocupar este edifício o mais rápido possível. O Município de Pombal não precisa de criar mais “elefantes brancos”, já temos os suficientes.

O Município de Pombal não precisa de criar mais “elefantes brancos”

PJ – E em termos turísticos, é uma boa ou má aposta a aquisição do hotel?
CC – Do que ouvi, não será um preço muito alto, tendo em conta o valor do edifício. Mas um pólo do IPL, serviços da Câmara… Eu fiz parte da equipa que projectou o Hotel Pombalense e não estou a ver aquele edifício a albergar todas as valências que se falam. Mas obviamente que é muito precoce falar sem ver um projecto e a funcionalidade dos vários espaços. Ainda assim, tantas hipóteses e nenhuma certeza faz-me lembrar mais um CIMU Sicó.
Por outro lado, temos falta de unidades hoteleiras e vamos fechar um hotel no centro da cidade, mesmo à saída da estação, onde este faz todo o sentido. Parece-me que este executivo tem um conjunto de ideias avulso, falta um plano integrado e a longo prazo. Só espero que o próximo executivo não faça aquilo que Diogo Mateus fez, alterar todos os projectos de que não gostava. Mudam os dirigentes políticos, mas os projectos têm de continuar, não podemos começar tudo do zero, porque é um desperdício de dinheiros públicos. Tal como não deviam chumbar uma proposta só porque vem, por exemplo, do BE, como aconteceu na penúltima sessão de Assembleia Municipal com uma moção que defendia a requalificação e modernização da Linha do Oeste.

PJ – Essa tem sido uma das preocupações do BE. Vai continuar a lutar por essa obra?
CC – Obviamente.

PJ – De que forma é que esta obra pode ser uma mais-valia para a zona Oeste do concelho?
CC – O comboio é o transporte mais amigo do ambiente. Só por si, esse já é um justificativo mais do que suficiente e não estamos a pedir uma linha nova, mas a requalificação de uma linha que já serviu muita gente. Normalmente as propostas deveriam ser mais importantes que os seus preponentes, mas em Pombal não. É do Bloco, chumba. E foi o que aconteceu com a proposta de requalificação da linha do Oeste, que foi aprovada em todas as Assembleias Municipais onde foi apresentada, menos em Pombal.

PJ – Está a dizer que o sentido de voto dos deputados varia de quem apresenta as propostas?
CC – Tenho a certeza. Senão eram muitas coincidências. Por estas pessoas não terem nenhuma ligação ao partido central pensam que é assim que funciona. Devemos estar em contacto estreito com a estrutura nacional, senão mais vale ir para um partido independente.

O Bloco tem menos meios, mas trabalha muito mais e melhor

PJ – É isso que diferencia o BE dos restantes partidos?
CC – Sim. Quando tenho uma dúvida, mando um email para o responsável a nível nacional e no espaço máximo de 24 horas tenho a resposta. O Bloco tem menos meios, mas trabalha muito mais e melhor. O Bloco tem muito défice de estruturas locais, ainda assim conseguimos levar muitos problemas locais à Assembleia da República. Temos de pensar o que é que andamos a fazer na política: a servirmo-nos da política o melhor que podemos ou a servir a política o melhor que sabemos. Eu ando para servir a política o melhor que posso, porque as vantagens que tiro de estar na política é o exemplo que dou aos meus filhos e às pessoas que me conhecem. Todos os outros partidos servem-se mais da política do que servem a política. Nós, bloquistas, temos uma postura diferente. Por isso, é que o Bloco é o único partido com o qual me identifico.

Mulher de causas

Célia Cavalheiro tem 50 anos e entrou para a política há apenas quatro anos a convite de um aluno. Ainda assim é a militante do BE com mais experiência no concelho de Pombal.
Em termos pessoais, é uma mulher de causas e convicções, que gosta de “desafios difíceis”. Andou em todo o tipo de lutas, viveu em repúblicas e, por pouco, não militou no Partido Socialista Revolucionário (PSR). Considera-se uma “feminista interseccional, antifascista, ambientalista e anticapitalista”, que quer ajudar a construir uma “sociedade mais aberta e interventiva”, onde não haja medo de denunciar os prevaricadores.
Célia Cavalheiro diz-se “a favor dos três oitos: oito horas para trabalhar, oito horas para dormir e oito horas para família, amigos e coisas de que se gosta”. Adora a praia Osso da Baleia e a Serra de Sicó, tal como gosta de pegar na mochila e partir à descoberta. Para ela, “o melhor hotel não é o de sete estrelas no Dubai, mas o de milhões de estrelas ao relento”, ou seja, adora acampar. Mas também de “piquenicar”, fazer caminhadas e andar de comboio. Gosta dos grandes centros urbanos para passear e da “província para viver”.
Filha de um comunista e de uma socialista, refere o BE é o único partido com o qual se identifica.
Apesar de ser natural de Torres Novas, fez o seu percurso de vida em Pombal, tendo um papel activo na sociedade local. Licenciada em Engenharia Civil pela Universidade de Coimbra, foi projectista, professora no ensino superior, directora de obras e é, actualmente, explicadora de Matemática.

Carina Gonçalves | Jornalista

*Entrevista publicada na edição impressa de 15 de Julho