O título deste artigo deve ter sido o que Rafael Esteves, o assessor de Joacine Katar Moreira (deputada recém-eleita do Livre), tinha em mente quando resolveu apresentar-se de saia no seu primeiro dia de Assembleia da República. A escolha desta vestimenta por parte do assessor causou grande celeuma nas (sempre atentas) redes sociais e entre os outros membros da Assembleia. A vozearia foi tal, que fez com que Rafael fosse convidado para o programa do Goucha para explicar a opção. Aí justificou que em Londres e em Nova Iorque é normal um homem andar de saia (LÁ FORA É QUE É MODERNO!) e que tem a liberdade de vestir o que quiser. Concordo. Ele que vista o que lhe apetecer. Até porque os maiores bandalhos que conhecemos preferem quase sempre o fato e gravata. Não me amola nada que tenhamos um assessor da Assembleia que gosta de se vestir como a Mary Poppins. Tem esse direito. Até porque muitos (MUITOS, MESMO) dos que partilham esse espaço com ele, volta e meia, gostam de vestir um aventalito secretamente.
Este fait-divers desviou a atenção de muitos em relação ao facto, na minha opinião, mais significativo da entrada em funções da nova Assembleia da República: Na casa da democracia, por excelência, já temos alguém que não concorda com ela. Refiro-me a André Ventura do CHEGA. Não deixa de ser curioso que alguém que brotou do cerne do sistema (PSD passista) seja agora anti-sistema. Li com alguma atenção (por curiosidade mórbida) o manifesto eleitoral do CHEGA. Muito do que lá está plasmado mais parece retirado de uma conversa inflamada de tasca depois de emborcados dúzia e meia de copos de 3. Apesar de inconsistente, o discurso justicialista (e simplista) do André, não só é apto para cativar os portadores de dois neurónios (o Tico e o Teco), mas também é manifestamente capaz de instrumentalizar o sofrimento de muitos. PREOCUPA-ME. Não obstante, o foco de toda a atenção foi a saia plissada do Rafael.
Na sociedade actual são muitos os exemplos em que o acessório se sobrepõe ao essencial. Notamos este facto nas empresas, nas relações, mas particularmente na acção política. Penso ser inteligível um político exorbitar as suas realizações (por mais inúteis que sejam) e secundarizar as suas inépcias. Há uns dias, li no site da Câmara Municipal de Pombal (CMP) que, e cito: “Pombal é o 4º município mais sustentável do País”. Esta distinção foi atribuída pelo Programa ECOXXI Municípios da ABAE – Associação Bandeira Azul da Europa. A ABAE é uma Organização Não Governamental de Ambiente (ONGA) que se dedica à educação para o desenvolvimento sustentável e reconhecimento de boas práticas ambientais. Para se candidatar a esta agnição, cada município tem de pagar uma taxa e sujeitar-se a uma avaliação de acordo com determinados critérios. Se obtiver uma classificação superior a 50% verá esse desiderato materializar-se sob forma de bandeira (e nós sabemos como a CMP gosta de estandartes). Neste último ano candidataram-se 50 municípios. Aqui podemos já constatar a malandrice de quem publicou a parangona no site da CMP. Em bom rigor, Pombal não será o 4.º município mais sustentável do país. Será o 4.º município mais sustentável dos 50 que se candidataram (Portugal tem 308). Por chocarrice, permitam-me a ressalva de um dos critérios de avaliação: Turismo Sustentável. Acredito que Pombal se possa ter destacado neste critério. O impacte ambiental do turismo será, com certeza, diminuto em Pombal uma vez que turismo é coisa que não nos assiste. No entanto, a monitorização e avaliação da sustentabilidade das práticas da CMP é, do meu ponto de vista, um procedimento positivo. Francamente negativa é a “subtileza” com que estas realizações são noticiadas: empolando e enviesando a sua importância objectiva. Pensam (quiçá, com razão) que SOMOS UNS PALERMAS.
Tal como os detractores de Rafael Poppins, estou a centrar-me no adiáforo e não no primordial: Não há dúvidas que a CMP tem feito um esforço insigne para tornar o concelho mais e mais sustentável. Ora vejamos. Sabemos o forte impacte que o Homem tem sobre o meio ambiente. Conhecedora desta verdade inquestionável, parece-me que a estratégia que a CMP tem para mitigar, ou mesmo eliminar, esse impacte será EXCLUIR O HOMEM desta equação. Os resultados têm sido excelentes: Desde 2011 que Pombal perde população todos os dias. Nem sequer se deixou atemorizar com o embrandecer da crise e já é o maior da zona do Pinhal Litoral a livrar-se de população. Pelo que se observa, ainda ambiciona vôos mais excelsos. Talvez jogar na Liga dos Campeões dos esbanjadores de pessoas. A receita seguida é aparentemente simples mas muito exigente: Um presidente focalizado em si próprio (isentando-se assim de qualquer noção de perspectiva); uns vereadores seguidistas e chatos; e a arte de transformar todas as oportunidades em oportunidades perdidas. Assim, teremos um concelho cada vez mais aborrecido, culturalmente neutro, empresarialmente abominoso, socialmente desigual e, como desfecho indeclinável do somatório de todos estes factores, desertificado. Seguindo esta trajectória, o nosso concelho alcançará, em poucas gerações, a quinta-essência da sustentabilidade. Nem precisará de bandeiras para obter o tão magnificente reconhecimento. Talvez até as possa oferecer ao assessor Esteves para fazer uma saíta. Uma de godé para variar de look.
Aníbal Cardona
Consultor/Formador
*O autor deste artigo acha que o novo acordo ortográfico é insustentável.