Estávamos absolutamente convencidos que íamos ganhar aquele jogo e trazer a taça para Portugal.
Não se tratava apenas da “alma benfiquista”, mas esta confiança, tinha toda a razão de ser: tínhamos ganho o campeonato com grande vantagem, a equipa estava a jogar bem, a defesa era segura, o meio campo criativo, o ataque concretizador e os guarda-redes evidenciavam segurança e confiança. Tudo isto, aliado ao facto de o adversário ser mais fraco, contribuía para reforçar essa confiança, quase a certeza da vitória.
Aliás, não deixava de ser curioso o facto de as equipas finalistas das duas principais provas europeias de futebol, serem da Península Ibérica, três espanholas e uma portuguesa, situação nunca vista no passado. Apesar de as economias dos dois países estarem em crise e apresentarem debilidades evidentes, o futebol, funcionando como um mundo à parte, contrariava essas dificuldades e fazia esquecer a crise, apesar do nível de endividamento elevado dos clubes em causa.
A ideia de ir ver a final a Turim surgiu, quase que por brincadeira, no dia em que a vitória no campeonato ficou decidida: estávamos no Estádio da Luz e ficou então assente que, se chegássemos à final da Liga Europa, iríamos a Turim ver o jogo.
Concretizada a vitória difícil, nas meias-finais, precisamente em Turim contra o clube da casa que tinha tudo preparado para aí disputar e ganhar a final, havia que cumprir a palavra. Mas para isso era necessário, arranjar bilhetes, primeiro para o jogo e depois para a viagem para Turim. Conseguir os dois objetivos em cima da hora não era fácil, mas foi possível, com algumas incertezas pelo meio. Só que o grupo foi “partido” em vários voos e a horas diferentes.
Fiz a viagem para Lisboa de madrugada, sozinho. A lua brilhava intensamente primeiro à esquerda na subida para a autoestrada, depois em frente ou à direita até Lisboa. Dava a ideia de ser uma estrela brilhante que iluminava, orientava, inspirava.
Entretanto o sol ia nascendo e a sua luz nos seus diversos cambiantes, primeiro escuro, depois laranja, logo a seguir mais claro, finalmente brilhante, acompanhava e iluminava o trajeto. Era natural pensar que seriam as luzes que a equipa precisava para se inspirar, quais estrelinhas da sorte, sempre necessárias.
Seguiu-se a viagem até Milão porque os voos para Turim estavam esgotados. O ambiente geral que se vivia, quer no aeroporto, quer dentro do avião, era de confiança absoluta e de otimismo evidente, demonstrado por todos os adeptos, em que, pelo menos o cachecol, provava a fé e o orgulho de ser benfiquista. Sucedeu o mesmo nos 140 km na viagem de autocarro até Turim. Depois, o tempo de espera até ao jogo, aproveitando para comer e beber alguma coisa, pois não havia muito tempo. Entretanto já as duas claques se digladiavam, primeiro fora do estádio, competindo no barulho e nos cânticos. Logo a seguir, já dentro do estádio, uma em cada extremo do relvado. Ficámos na bancada central, o que nos dava uma visão perfeita desta luta de claques. A portuguesa era mais numerosa, a espanhola mais aguerrida.
O espetáculo de som, coreografia e luz antes do jogo, foi muito agradável à vista e serviu para acalmar e amenizar o nervosismo e o suspense iniciais.
Começado o jogo, era evidente a superioridade benfiquista, só que não conseguíamos marcar golos. Os espanhóis praticavam um jogo duro, perante a complacência do árbitro. Uma entrada dura sobre um médio do Benfica que obrigou à sua substituição, motivou apenas um cartão amarelo ao jogador espanhol.
Entretanto o ascendente benfiquista mantinha-se e o guarda-redes do clube espanhol que, por sinal, era português, transformou-se no herói do jogo porque defendeu tudo. (Curioso o facto de o número de jogadores portugueses ser sensivelmente igual em cada uma das equipas). Deste modo, não havendo golos durante o tempo regulamentar e no prolongamento, o desempate fez-se por penalties e aí fomos menos felizes, talvez porque a equipa não treinou esta parte, porque estava confiante na vitória no tempo normal de jogo. A maneira como alguns penalties foram marcados pelos nossos jogadores, parece confirmar esta tese.
No fim foi a desilusão, saímos logo do estádio, não assistindo sequer à entrega da taça. Ficámos com a ideia de que houve várias razões para a derrota: o excesso de confiança (os espanhóis tinham ficado em 5º lugar no seu campeonato e nós em 1º no nosso), ausência de alguns jogadores benfiquistas importantes, erros da arbitragem nomeada pela UEFA onde terá existido influência espanhola, falta de sorte, etc.
Mas, no fundo parece-me que faltou algum empenhamento, também profissionalismo e garra. Sem perseverança e combatividade, o desânimo aparece e a vitória não se alcança. Acresce que, como sucede em qualquer jogo, há elementos aleatórios e outros, que podem contrariar a verdade desportiva e a justiça do resultado.
Na viagem de regresso, quer no autocarro, quer no avião o silêncio era total. Os semblantes carregados, não conseguiam esconder o desgosto motivado pela derrota. O que me impressionou mais, foi ver os olhos vermelhos de miúdos, com idades entre os 10-15 anos, evidenciando uma tristeza inconsolável. Não resultava dizer que, sendo novos, ainda iriam ter muitas vitórias e grandes alegrias.
Chegámos a Lisboa às 8 horas da manhã do dia seguinte. Na viagem de regresso já não havia, na auto-estrada, a luz da lua e não reparei na luz do sol. Já era dia e as preocupações profissionais, fizeram esquecer o desgosto, mas cavalgar a alegria da vitória teria sido totalmente diferente.
Claro que a vida continua e não podemos, nem devemos, fazer depender a nossa felicidade de fatores exógenos que nós não controlamos porque nos são exteriores.
Nesta situação, só pode ganhar um. Por isso, vivamos a alegria das vitórias, mas estejamos “vacinados” contra as derrotas, até por que se trata de um jogo. Mesmo no caso da seleção nacional, agora na ordem do dia, não esquecendo que somos um país pequeno, mas grande no futebol. Esperávamos realmente, que a história, ou seja, o passado de glória, se confirmasse em vitórias, que nos ajudariam, não a ultrapassar, mas, pelo menos, a esquecer temporariamente a crise. Infelizmente isso não sucedeu, em resultado de erros evidentes, nomeadamente, má programação da estadia dadas as diferenças climáticas em relação aos primeiros jogos, rigidez na escolha da equipa, interesses particulares, menor garra e profissionalismo, défice de liderança, tentar resolver os problemas sempre à última hora em vez de programar adequadamente…
Parece mesmo que o futebol continua a ser o espelho da Nação. Quando é que começaremos a aprender com os próprios erros e, de forma inteligente e racional, a mudar os comportamentos em conformidade?
Manuel Duarte Domingues
manuel.duarte.domingues@gmail.com