O dia 26 de outubro de 2019 foi um dia histórico que ficará como memorável porque, com a entrega do programa de governo na Assembleia Nacional, ficaram definidas as grandes linhas da governação, ou seja, os princípios fundamentais que iriam permitir que o futuro fosse promissor e o progresso sustentado do País uma certeza.
Tratava-se de um corte radical com o passado. Para este segundo mandato, o governo tinha aprendido à sua própria custa, com os seus próprios erros. No primeiro mandato, tinha aproveitado a melhoria da conjuntura internacional que permitiu algum desenvolvimento económico, para distribuir benesses aos eleitores para garantir a sua manutenção no poder. Beneficiou do aumento das exportações e das receitas do turismo, bem como a diminuição das taxas de juro, não para investir, reduzir a dívida pública, prevenindo o futuro, mas para gastar, para distribuir, aumentando a despesa corrente. Apesar da conjuntura favorável, o endividamento do País continuou a crescer, não foram feitas reformas estruturais, navegava-se à vista, sem preocupações em relação ao futuro e às próximas gerações. O apoio da extrema-esquerda, necessário para manter o poder, teve custos elevados, embora se tivesse criado a ilusão de que a situação tinha melhorado. Mas, os aumentos do valor absoluto da dívida pública e do défice comercial, contrariavam este raciocínio simplista.
Entretanto, alguém tinha convencido o primeiro-ministro de que este não era o caminho correto. Por isso, havia que mudar de estratégia e de políticas governativas em várias áreas. Impunha-se uma viragem ao centro, seguindo o exemplo dos parceiros comunitários mais desenvolvidos e com melhor nível de vida e de riqueza, privilegiando a atividade económica baseada em empresas privadas que produzissem, exportassem e nos tornassem menos dependentes do exterior. Era a economia de mercado a funcionar, embora aprofundando a componente social em relação aos mais desprotegidos, que deveriam ter os necessários apoios sociais.
O Estado era o árbitro, regulando e controlando o funcionamento da economia, cobrando os impostos estritamente necessários e fazendo a sua redistribuição socialmente justa e cuidando dos setores fundamentais, ligados ao exercício dos poderes de soberania. Conseguiu verter todos estes aspetos no programa do governo entregue, com pompa e circunstância, pelo primeiro-ministro ao presidente da Assembleia Nacional. Vale a pena referir as suas linhas principais.
A Constituição da República seria revista, eliminando as referências ao socialismo do século XX, dando uma liberdade económica que iria permitir a captação de investimento privado, especialmente estrangeiro, dada a excelente qualidade da mão-de-obra e da tecnologia nacionais. O presidente da república seria responsável pelo governo, gerido pelo primeiro-ministro e limitando o número de ministros, dada a pequenez do país.
As estruturas públicas, quer a nível nacional, quer local, seriam reduzidas, menos burocráticas, altamente informatizadas, o que permitiria mais eficácia e redução da despesa pública. A justiça iria ser mais célere, pois os prazos fixados tinham que ser cumpridos pelos juízes. As lutas entre magistraturas iriam acabar, porque as suas funções estavam perfeitamente definidas. As penas para atos de corrupção seriam fortemente agravadas, sendo normal as penas de prisão efetiva, o que funcionaria como mecanismo dissuasor.
A economia seria maioritariamente privada, gerida por privados, que arriscavam os capitais investidos e trabalhavam para ter sucesso. Os transportes aéreos, marítimos, ferroviários e rodoviários (incluindo os urbanos) eram privados. Os muitos milhões gastos para manter setores fortemente deficitários fariam parte da História. Na saúde iria ser feita uma grande racionalização, otimizando os recursos existentes, de modo a acabar com listas de espera, com a ajuda do setor privado, onde o ato médico era mais barato. Sucederia o mesmo na educação, onde o caminho para a excelência seria feito com base em professores motivados e respeitados e a quem seria reconhecida a importância para prepararem de modo completo e competente as gerações para o futuro. Os sindicatos perderiam a importância que tinham no setor público estatal, porque, em vez dos egoísmos de classe, imperaria o realismo baseado na justiça social, na certeza de que o País não podia distribuir a riqueza que não produzia, sendo, por isso, residuais as greves e outras formas de luta, habituais no passado.
Deste modo, as perspetivas que se abriam para o futuro eram excelentes e isso explicava o sorriso otimista do primeiro-ministro na cerimónia de entrega do programa do governo, quando referiu: “Iremos juntos escrever uma nova página de prosperidade”.
Infelizmente, devo referir, em abono da verdade, que qualquer semelhança entre o que atrás foi descrito e a realidade de um país da Europa chamado Portugal, não é pura coincidência, porque isto não se passou no planeta Terra, mas em Marte, num país, curiosamente, chamado Lusitânia…
Manuel Duarte Domingues
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