Assistimos a uma época global cujos fenómenos sociais e políticos, em rigor, devem ser objetivamente observados e enquadrados à escala internacional. A revolução tecnológica aponta-se como um dos fatores que contribuiu decisivamente para a viragem para um modelo pós-moderno globalizado. A globalização constituiu e constitui diariamente um enorme motor de desenvolvimento dos mais distintos sectores da vida comunitariamente organizada e a ela pode associar-se, sem hesitações, o maior projeto político e económico do mundo contemporâneo; a União Europeia.
É certo que enfrenta atualmente a Europa os grandes obstáculos que derivaram do inesperado nó górdio financeiro. A cortante assimetria que existe entre Estados-Membros e o empobrecimento dos povos do Sul da Europa coloca os seus indivíduos numa posição de inequívoca desvantagem face aos países europeus mais ricos. Isto constitui um problema na medida em que cai por terra a pretensão da UE em unir comunitariamente os seus indivíduos, assegurando-lhes o direito à cidadania europeia e correspondentes deveres. Ora, para que funcione o modelo europeu, fundado nos princípios de igualdade, livre mobilidade e intercâmbio cultural, cumpre assegurar a importância do princípio da não discriminação.
A ideia que aqui proponho expor radica numa linha de pensamento que extravasa a não discriminação em razão financeira, antes se coloca ao nível de uma problemática cultural.
A UE constitui um projeto eminentemente cultural, em que se proclama o respeito e a coexistência harmoniosa de 28 diversos Estados, com distintas características civilizacionais, ainda que unidos por uma herança histórica em certos pontos comum. Por cultura entendo o conjunto de usos (formais e informais), costumes, práticas e notas institucionais que se imputam a um aglomerado populacional circunscrito a um determinado território soberano. Entendo que a cultura de um povo não deve ser estimável em dinheiro mas encarada como um fim em si mesma. À semelhança do que sucede com a criação artística, a cultura não exige uma utilidade técnica ou prática e não é passível de ser apreciada de acordo com critérios morais. A cultura é o que é; e deve ser sempre respeitada. Comportando valores que unificam a sociedade, acontece todavia que a diferença cultural conduz a situações de desconhecimento que, por sua vez, desencadeiam intolerância.
Foi com alguma infelicidade que registei, recolhendo informação diversa e escutando testemunhos pessoais, que a xenofobia prolifera pela Europa. Não obstante o princípio da não discriminação estar expressamente consagrado nos Tratados comunitários, muitos dos países ditos civicamente mais desenvolvidos registam incidentes de ódio contra minorias, com predominância para com muçulmanos, europeus imigrantes (caso, por exemplo, da comunidade eslovena em Itália), homossexuais e, ainda que com menor densidade, mulheres. As principais manifestações de ódio que se verificam são o discurso de ódio e a violência física.
O choque cultural na Europa é, na minha opinião, inevitável. Não é necessário, contudo, que conduza à desordem social. É imprescindível, sim, que se encare a diversidade com uma postura de paz e aceitação e que prevaleça a prontidão para aprender com o que nos é desconhecido. É obrigatório que a cultura tenha como limite os inultrapassáveis valores da vida e da integridade psíquica do Homem e que não sirva, sob pretexto algum, o contexto cultural de veículo para violações dos Direitos Humanos. Sendo a educação dos povos a única via para o verdadeiro desenvolvimento civilizacional e constituindo a União Europeia um projeto demasiado valioso para ser colocado em causa, apelo a que se reúnam todos os esforços para que se eleve a livre mobilidade no espaço interno a uma mera vantagem. Apelo a que se eduque para a Europa e seus princípios de respeito e liberdade. Apelo a que se eduque para a aceitação da diversidade.
Sofia Dias
(impresso na edição nº 30)