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Agosto quente, praia algarvia, sol brilhante, areia a queimar os pés. Só a temperatura da água, anormalmente fria, destoava deste ambiente ideal para umas férias calmas e tranquilas. As conversas habituais com os vizinhos ocasionais, alguns que já conhecemos dos anos anteriores, atualizando os assuntos, renovando as preocupações, trocando informações e pontos de vista.
Aquela amiga de há vários anos, de conversação simpática, agradável, bem-humorada e criativa, resultado de uma vida já longa e bem vivida, saiu-se com esta expressão – EL CORTE CHINÊS – cuja originalidade e adequação são, por demais, evidentes. Dizia que aproveitava os saldos no EL CORTE INGLÊS, porque os descontos eram bastante grandes, a qualidade dos produtos era reconhecida e poderia devolver, se ao vestir, novamente, em casa, não ficasse bem. Claro que estava em causa roupa, vestidos, saias, blusas e outros adereços femininos. Mas acrescentou, logo a seguir, que onde comprava mais barato e também com qualidade era no EL CORTE CHINÊS. Estava, como é evidente, a referir-se às lojas chinesas que enxameiam as cidades desta Europa onde deixou de se fazer, porque já compramos tudo feito. Particularmente em Portugal, mesmo nas cidades mais pequenas, impressiona ver o número de lojas chinesas que vendem toda a espécie de mercadorias desde as utilidades domésticas, até ao pronto-a-vestir, especialmente feminino e era a este que a minha amiga se estava a referir.
Não sei se os preços são mais baratos, mas ela afirmava-o, demonstrando grande conhecimento de causa. E elogiava a qualidade e o requinte da confecção, ao ponto de, nas conversas, se dar ao luxo de trocar a origem dos produtos para o outro EL CORTE, sem que as amigas dessem pela diferença, se é que ela existe e pode resistir a uma análise mais profunda por quem é conhecedor da matéria.
A importância das lojas chinesas merece uma reflexão, que pode ser feita do modo descontraído e desinteressado que a seguir se apresenta. Começando pelo comércio que, como sabemos tem afetado as lojas tradicionais em todas as nossas cidades, não só pela dimensão e preços, mas também pelos horários de funcionamento. Uma loja portuguesa terá, de acordo com as leis em vigor, um horário de funcionamento que, consoante o número de horas, obrigará a trabalho por turnos, horas extraordinárias e outras situações que implicam custos para as empresas. No caso das lojas chinesas deverá aplicar-se a mesma legislação, incluindo o pagamento dos encargos sociais inerentes e a aplicação de outros limites legais, como, por exemplo, o o número de horas extraordinárias anuais. Também, no aspecto fiscal, seria interessante saber como são tributados, os lucros que apresentam e o contributo positivo que trazem à economia nacional.
O problema da invasão dos produtos chineses, quer no comércio, quer na indústria em relação às matérias-primas, surgiu a partir do momento em que a China foi admitida na Organização Mundial do Comércio. Inicialmente havia limites aos produtos importados da China pela Europa, mas agora parece existir uma liberdade total.
E a Europa não pode concorrer com os produtos chineses no que respeita aos preços dos produtos, porque os sistemas económicos são totalmente diferentes. Os custos de produção europeus são muito superiores, dados os tempos de trabalho, preços da mão-de-obra e dos encargos sociais, bem como das regalias sociais de que os trabalhadores europeus desfrutam. Ao contrário, os trabalhadores chineses têm horários de trabalho dilatados, direitos reduzidos, valores de remuneração muito baixos. E quando as encomendas baixam, não há problema em deslocar para as zonas rurais milhões de trabalhadores das fábricas. As descrições conhecidas das condições de trabalho na China, fariam com que as nossas confederações sindicais entrassem em greve permanentemente.
É evidente que a Europa e os Estados Unidos da América deveriam ter imposto condições sociais mínimas, para que nos dois sistemas, chinês e dos países desenvolvidos, houvesse alguma semelhança e comparabilidade. Como isso não se fez, chegamos agora a uma situação curiosa: a China acumulou grandes volumes de capitais, em resultado das suas transações com o exterior e em resultado duma exploração enorme da classe operária.
Esses capitais têm sido aplicados de modo a que seja possível dominar e controlar a economia mundial. É sabido que grande parte da dívida pública norte-americana está nas mãos dos chineses. Portugal é um país pequeno e a sua economia não tem grande significado, mas os chineses estão a comprar muitas empresas portuguesas, especialmente nos setores de atividade mais rentáveis e monopolistas, como é o caso da energia eléctrica, quer na produção quer na distribuição.
Também já têm participações importantes nos sectores financeiros e segurador, pois é o próprio Governo Português que promove a venda e incentiva os chineses a investirem em Portugal. Por este andar, dentro de alguns anos, as grandes empresas dos setores mais importantes e rentáveis, serão dominadas por capitais chineses.
Politicamente também não se podem fazer comparações, porque a China tem um governo que dita as regras e elas são cumpridas, ainda que à força, não existindo oposição, nem democracia. Infelizmente a Europa e Portugal em especial, tem sido governados, muitas vezes, de modo irresponsável, vivendo acima das suas possibilidades, distribuindo a riqueza que não produzem, acumulando dívidas.
Receio que, brevemente na literatura e no cinema, comecem a aparecer obras de ficção, em que será o “big brother” chinês a mandar no planeta Terra. E, da ficção à realidade, não será preciso esperar muito tempo.
Oxalá esta previsão pessimista não se concretize.