El Corte Chinês

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manuel dominguesmanuel.duarte.domingues@gmail.com

 

Agosto quente, praia algarvia, sol brilhan­te, areia a queimar os pés. Só a temperatura da água, anormalmen­te fria, destoava deste ambiente ideal para umas férias calmas e tranquilas. As conversas habituais com os vizinhos ocasionais, alguns que já conhecemos dos anos ante­riores, atualizando os assuntos, re­novando as preocupações, trocan­do informações e pontos de vista.

Aquela amiga de há vários anos, de conversação simpática, agra­dável, bem-humorada e criativa, resultado de uma vida já longa e bem vivida, saiu-se com esta expressão – EL CORTE CHINÊS – cuja originalidade e adequação são, por demais, evidentes. Dizia que aproveitava os saldos no EL CORTE INGLÊS, porque os des­contos eram bastante grandes, a qualidade dos produtos era reco­nhecida e poderia devolver, se ao vestir, novamente, em casa, não ficasse bem. Claro que estava em causa roupa, vestidos, saias, blu­sas e outros adereços femininos. Mas acrescentou, logo a seguir, que onde comprava mais barato e também com qualidade era no EL CORTE CHINÊS. Estava, como é evidente, a referir-se às lojas chi­nesas que enxameiam as cidades desta Europa onde deixou de se fazer, porque já compramos tudo feito. Particularmente em Portugal, mesmo nas cidades mais peque­nas, impressiona ver o número de lojas chinesas que vendem toda a espécie de mercadorias desde as utilidades domésticas, até ao pron­to-a-vestir, especialmente feminino e era a este que a minha amiga se estava a referir.

Não sei se os preços são mais baratos, mas ela afirmava-o, de­monstrando grande conhecimento de causa. E elogiava a qualidade e o requinte da confecção, ao ponto de, nas conversas, se dar ao luxo de trocar a origem dos produtos para o outro EL CORTE, sem que as amigas dessem pela diferença, se é que ela existe e pode resistir a uma análise mais profunda por quem é conhecedor da matéria.

A importância das lojas chinesas merece uma reflexão, que pode ser feita do modo descontraído e desinteressado que a seguir se apresenta. Começando pelo co­mércio que, como sabemos tem afetado as lojas tradicionais em todas as nossas cidades, não só pela dimensão e preços, mas tam­bém pelos horários de funciona­mento. Uma loja portuguesa terá, de acordo com as leis em vigor, um horário de funcionamento que, consoante o número de horas, obrigará a trabalho por turnos, ho­ras extraordinárias e outras situa­ções que implicam custos para as empresas. No caso das lojas chi­nesas deverá aplicar-se a mesma legislação, incluindo o pagamento dos encargos sociais inerentes e a aplicação de outros limites legais, como, por exemplo, o o número de horas extraordinárias anuais. Também, no aspecto fiscal, seria interessante saber como são tribu­tados, os lucros que apresentam e o contributo positivo que trazem à economia nacional.

O problema da invasão dos pro­dutos chineses, quer no comércio, quer na indústria em relação às matérias-primas, surgiu a partir do momento em que a China foi admitida na Organização Mundial do Comércio. Inicialmente havia li­mites aos produtos importados da China pela Europa, mas agora pa­rece existir uma liberdade total.

E a Europa não pode concorrer com os produtos chineses no que respeita aos preços dos produtos, porque os sistemas económicos são totalmente diferentes. Os cus­tos de produção europeus são mui­to superiores, dados os tempos de trabalho, preços da mão-de-obra e dos encargos sociais, bem como das regalias sociais de que os tra­balhadores europeus desfrutam. Ao contrário, os trabalhadores chineses têm horários de trabalho dilatados, direitos reduzidos, valo­res de remuneração muito baixos. E quando as encomendas baixam, não há problema em deslocar para as zonas rurais milhões de traba­lhadores das fábricas. As descri­ções conhecidas das condições de trabalho na China, fariam com que as nossas confederações sindicais entrassem em greve permanente­mente.

É evidente que a Europa e os Es­tados Unidos da América deveriam ter imposto condições sociais míni­mas, para que nos dois sistemas, chinês e dos países desenvolvidos, houvesse alguma semelhança e comparabilidade. Como isso não se fez, chegamos agora a uma si­tuação curiosa: a China acumulou grandes volumes de capitais, em resultado das suas transações com o exterior e em resultado duma ex­ploração enorme da classe operá­ria.

Esses capitais têm sido aplica­dos de modo a que seja possível dominar e controlar a economia mundial. É sabido que grande parte da dívida pública norte-americana está nas mãos dos chineses. Portu­gal é um país pequeno e a sua eco­nomia não tem grande significado, mas os chineses estão a comprar muitas empresas portuguesas, es­pecialmente nos setores de ativida­de mais rentáveis e monopolistas, como é o caso da energia eléctrica, quer na produção quer na distribui­ção.

Também já têm participações im­portantes nos sectores financeiros e segurador, pois é o próprio Go­verno Português que promove a venda e incentiva os chineses a investirem em Portugal. Por este andar, dentro de alguns anos, as grandes empresas dos setores mais importantes e rentáveis, serão dominadas por capitais chineses.

Politicamente também não se po­dem fazer comparações, porque a China tem um governo que dita as regras e elas são cumpridas, ainda que à força, não existindo oposi­ção, nem democracia. Infelizmente a Europa e Portugal em especial, tem sido governados, muitas ve­zes, de modo irresponsável, viven­do acima das suas possibilidades, distribuindo a riqueza que não pro­duzem, acumulando dívidas.

Receio que, brevemente na lite­ratura e no cinema, comecem a aparecer obras de ficção, em que será o “big brother” chinês a man­dar no planeta Terra. E, da ficção à realidade, não será preciso esperar muito tempo.

Oxalá esta previsão pessimista não se concretize.