“Estive perto de ser mais uma vítima desta terrível realidade que é o terrorismo”

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Paulo Matias trabalha como consultor informático em Bruxelas
Paulo Matias é pombalense e está há 12 meses na Bélgica, onde trabalha como consultor informático.

Ao POMBAL JORNAL, o jovem deixa um relato emocionado, na primeira pessoa, do dia que há-de ficar para sempre marcado pelos trágicos acontecimentos. Na estação de metro de Maelbeek, tinha passado pouco minutos antes da explosão.

“Esta terça-feira, dia 22 de Março de 2016, que viria a revelar-se trágica, começou como qualquer outro dia de trabalho nesta capital europeia que é Bruxelas. Após a típica azáfama matinal, dirigi-me à paragem perto de casa, onde todos os dias apanho o eléctrico e inicio a minha jornada diária em direcção ao trabalho. Após alguns minutos lá chega o eléctrico que me leva até à estação de Montgomery onde entro no metro em direcção a Arts-Loi, onde troco de linha em direcção à minha paragem final na estação de metro de Porte de Namur. Pelo caminho, cruzo-me com centenas de pessoas que, completamente alheias ao que estava prestes a acontecer, seguem nas suas rotinas matinais, uns a ouvir música, outros a ler o jornal ou os mais recentes “posts” nas redes sociais. No meio desta multidão existem pessoas de diversas raças e crenças, tão diferentes umas das outras, mas ao mesmo tempo tão semelhantes e esta é uma das características desta cidade, embora haja uma tão grande diversidade de culturas sente-se que aqui todos são, de alguma forma, iguais e são igualmente aceites e integrados na sociedade.

Ao chegar ao trabalho, dirijo-me ao meu posto de trabalho onde alguns colegas me interpelam com a pergunta “Já sabes o que se passou?”. Foi nesse momento que fiquei a saber da barbaridade que tinha acontecido na zona de check-in do aeroporto de Bruxelas, local onde passo a cada duas semanas para apanhar o avião que me leva a Portugal para passar o fim-de-semana. Sou invadido de imediato por um sentimento de revolta, o mesmo que senti há 4 meses atrás aquando dos atentados em Paris. Com este sentimento ligo o computador, e começo a navegar na Internet à procura de mais informações sobre a tragédia. Ao abrir um conhecido website de notícias, sou surpreendido com uma actualização de última hora que informa que ocorreu uma explosão na estação de metro de Maalbeek e nesse instante a última meia hora da minha vida passou em revista na minha mente – o caminho que percorri em direcção ao trabalho, as centenas de pessoas com que me cruzei e principalmente aquela estação de metro mencionada na notícia, onde tinha passado há poucos minutos. Nesse instante apercebo-me da ilusória sensação de segurança em que tenho vivido, aqui em Bruxelas, nestes últimos 4 meses. Apercebo-me de quão perto estive de ser mais uma vítima desta terrível realidade que é o terrorismo, destes actos bárbaros cometidos por seres humanos que de humanos têm tão pouco, que dizem fazê-lo em nome de uma religião quando na realidade são apenas motivados pelo ódio e pela ignorância.

De imediato começo a receber mensagens no telemóvel, através de várias redes sociais e serviços de “chat” de amigos e familiares a quererem saber se eu estava bem, se não tinha sido apanhado no meio deste pesadelo. Ao mesmo tempo, tento telefonar aos que me são mais próximos mas sem sucesso, as redes de telemóvel estão completamente sobrecarregadas, certamente por milhares de pessoas a tentarem desesperadamente entrar em contacto com os seus familiares, amigos e conhecidos, para saberem se se encontram bem. Em simultâneo, recebo uma chamada no telefone do trabalho, proveniente serviços de crise da empresa onde trabalho. Do outro lado da linha oiço uma gravação que me dá indicações para premir a tecla 1 caso esteja bem ou a tecla 2 caso precise de assistência. Pressiono a tecla 1 porque o meu mal-estar é psicológico, não físico, e felizmente já estou no trabalho onde me sinto em relativa segurança.

Por volta das 11h é convocada uma reunião de emergência com todos os funcionários da empresa. Nesta reunião o CEO da empresa dirige-se a todos, de igual para igual, de ser humano para ser humano, expressando o seu profundo pesar relativamente a tudo o que acontecera e garantindo que tudo será feito para garantir a segurança e bem-estar de todos os que ali trabalham. Pede ainda que, por uma questão de segurança, ninguém saia do edifício até indicação em contrário. Informa ainda que alguém irá organizar um sistema de boleias – “carpooling” – no sentido de garantir que ao final do dia todos os funcionários conseguem retornar às suas casas, mesmo aqueles que se deslocaram de transportes públicos que agora estavam fechados.

Ao longo do resto do dia todos nós comentamos o sucedido e procuramos mais informações nos mídia ao mesmo tempo que nos tentamos abstrair da realidade e concentrarmo-nos nas nossas responsabilidades profissionais, o que se revela ser impossível. Aos poucos vai chegando mais informação, o número de mortos confirmados e feridos vai aumentando, todos os transportes públicos estão fechados, há diversos comunicados de figuras ilustres um pouco por todo o mundo insurgindo-se e lamentando toda esta situação.

Ao final do dia recebo uma chamada de um colega que me iria dar boleia para casa. Uma pessoa que me era completamente desconhecida até então iria assegurar-se de que eu chegaria em segurança a casa. Após um dia tão negro, finalmente um raio de luz, uma pequena amostra de que a natureza humana também tem um lado bom.

Chegado a casa, sinto-me finalmente em segurança e com a certeza de que, pelo menos, até de manhã, nada de mal me irá acontecer. No entanto amanhã é outro dia, e mais uma vez me levantarei cedo para me dirigir ao trabalho porque, embora não consigamos evitar que estes atentados ocorram de novo, podemos pelo menos resistir ao medo e recusarmo-nos a ser derrotados e a aceitar que comprometam a nossa liberdade e o nosso modo de vida”.