Não podemos deixar de estranhar os chumbos que o Tribunal Constitucional (TC) tem aplicado às medidas do Governo direcionadas para a redução do défice orçamental.
Sabemos, desde há muitos anos, que a despesa pública é superior à receita. Com troika ou sem troika, não é difícil concluir que só há dois modos de resolver o problema: reduzir a despesa ou aumentar a receita, restando uma solução intermédia, que aplica parcialmente as duas. Caso contrário, continuaremos a endividar-nos para manter um nível de despesa superior às nossas possibilidades.
Um dos argumentos mais usados pelos juízes do TC, prende-se com uma hipotética violação do princípio da igualdade. Trata-se de argumentação teórica, porque não se apresentam razões práticas que fundamentem as decisões. Deste modo, chumbam-se medidas que, por afetarem os funcionários públicos e não afetarem os trabalhadores do setor privado, criam desigualdade, na opinião dos juízes.
Mas, não é difícil concluir que para aferir desta injustiça, teríamos que comparar os ordenados dos dois setores, público e privado, para funções idênticas, as regalias, horas de trabalho semanais, condições em que se podem reformar e o valor das reformas, taxas de desconto para aposentação, saúde (só podem beneficiar da ADSE os funcionários públicos: porque não uma segurança social igual para todos?), etc.
Sabemos que, nestes aspetos, há diferenças evidentes, desigualdades notórias, mas que nunca foram declaradas inconstitucionais, apesar de se saber da inexistência de igualdade.
Os senhores juízes sabem que o orçamento do Estado não permite manter o nível de despesa que se tem verificado. Sabem que não há dinheiro para manter os benefícios atuais e que os chamados direitos adquiridos terão que ter limites, dada a impossibilidade prática de os manter.
Concluir-se-á assim que terá, forçosamente, que se cortar na despesa. Mas, também importa discutir, em que tipo de despesa. Claro que o mais fácil é fazê-lo nos ordenados do pessoal e nas pensões dos reformados. E porque não, nas rendas excessivas de alguns setores como a energia (gás e eletricidade), parcerias público-privadas, nos subsídios a fundações, entre outros? Será que aqui também não haverá inconstitucionalidades?
Porque é o que o TC aponta apenas como solução o aumento da receita? Ou seja, iremos todos pagar mais impostos (IVA a 25%?), para manter privilégios irrealistas, concedidos por Governos irresponsáveis, ávidos de ganhar eleições, por várias razões incluindo a empregabilidade dos militantes dos respetivos partidos, esquecendo o interesse nacional e o futuro do País.Mas, ouvir o TC falar de igualdade, em tom quase dogmático, não deixa de ser curioso, conhecidos os privilégios, que se podem chamar de escandalosos, dos juízes deste Tribunal. A lei permite que se reformem com 10 anos de serviço, aos 40 anos de idade, ou então com 12 anos de serviço qualquer que seja a sua idade. Esta lei é de 1989, foi votada favoravelmente pelo PS, PSD e CDS e teve como defensores mais entusiastas os deputados António Vitorino, destacado militante socialista, ex-comissário europeu e Assunção Esteves, atual Presidente da Assembleia da República. Ainda uma curiosidade adicional: estes dois deputados votaram interessadamente esta lei que concedia privilégios únicos aos juízes do TC, porque tomaram posse, 20 dias depois, como juízes doTC. E agora são ilustres reformados desse Tribunal: ele condecorado recentemente, ela optou por receber a reforma como juiz do TC em vez de receber o vencimento como deputada e Presidente da Assembleia da República, desprestigiando, deste modo, o cargo, que corresponde à segunda figura do Estado.
O cidadão, menos distraído, contribuinte, pagador de impostos e de taxas (mas que não conseguiu tachos destes), perguntará porque é que os senhores juízes não acabam com estes privilégios que estão feridos de uma desigualdade gritante. Se o cidadão comum, especialmente do setor privado, se podia reformar apenas aos 65 anos (agora 66, a seguir 67…), os juízes serão diferentes? Claro que a reforma pode ser antecipada por invalidez, o que não se aplicará a esta situação. Ou será que a tão celebrada igualdade não é de aplicação geral, universal e abstrata?
Em tempos, um familiar, emigrante em França, viu ser-lhe reduzida a sua pensão portuguesa, porque também recebia uma da segurança social francesa. Os valores não eram muito elevados, mas foram reduzidos na componente portuguesa por força alteração da lei, porque o valor que vinha de França não foi reduzido. Atualmente sabemos que existem situações de acumulação de reformas, em relação a pessoas ligadas à política, à universidade, ao Banco de Portugal, etc. Também reformas de valor escandaloso de gestores bancários, cujas instituições vão acumulando milhões de euros de prejuízos anuais.
Cada vez mais precisamos de gente que saiba governar e julgar com critérios de justiça que apontem para essa igualdade de que tanto se fala.
Só que para isso é preciso cortar privilégios, direitos adquiridos, benesses que, por não serem divinas, terão que ser corrigidas. O problema é que quem decide (legisladores, juízes) tem todas essas vantagens, são parte interessada. Só esquecendo os egoísmos e o espírito corporativo ou de classe, será possível mudar as mentalidades, normalizar os comportamentos, atenuar as desigualdades. Parece não haver, da parte de muitos responsáveis, a clarividência suficiente para ver além do próprio quintal, ter largueza de vistas, servir e não servir-se. Oxalá não seja tarde e que este pessimismo não se concretize, sendo para isso necessário que quem decide se preocupe verdadeiramente com o futuro do País e com a causa pública.
Manuel Duarte Domingues
manuel.duarte.domingues@gmail.com