Acreditem que ir a um centro comercial ao domingo é um ritual que me contraria, não só porque há muita gente e demasiada confusão, mas, especialmente, porque há outras maneiras muito mais interessantes de passar o domingo, como por exemplo, ler um bom livro, ver um bom jogo de futebol no estádio ou na televisão, fazer desporto, jardinagem ou outras actividades ao ar livre, não fazer nada ou ir ver o mar. Aqui o movimento lento e calmo das ondas é reconfortante, dá uma certa dose de paz ao espírito e, na sua imensidão, ajuda sempre a dar asas a uma imaginação, que, naturalmente, podendo ser fértil, não tem limites.
Mas, naquele domingo tinha que ir mesmo buscar uns livros à Livraria Bertrand, que tinha encomendado duas semanas antes e cuja chegada me tinha, entretanto, sido comunicada.
E as coisas até estavam a correr bem, porque depois de uma viagem calma, porque o movimento era normal e sem constrangimentos, logo mais rápido e fácil, apareceu à entrada do centro comercial um lugar para estacionar. A manobra não foi muito fácil porque o espaço era pequeno e apertado, mas foi suficiente.
Depois de pôr as coisas necessárias na bolsa e fechá-la, seguimos pelo tapete rolante até ao primeiro andar, com muita gente subindo e descendo, naquele modo fácil e moderno de andar mais depressa e com menos esforço.
Chegado à livraria, confirmar que os livros encomendados já lá estavam, foi fácil. Dar uma volta para ver as últimas novidades, analisar os tops, folhear um ou outro livro cuja capa, título ou tema despertava mais curiosidade, é uma rotina normal e relativamente rápida.
Depois foi entregar os livros na menina da caixa, simpática e conversadora, para completar o programa. Tirar a carteira para apresentar o cartão e pagar é obrigatório. Só que… a carteira não estava na bolsa! Incrédulo voltei a procurar, mas confirmei essa inexistência. Pedi à menina para me guardar os livros, enquanto ia ao carro para tentar encontrar a carteira.
Segui, em passo rápido, dada a preocupação e, passados alguns minutos, estava dentro do carro. Procurei em todos os sítios possíveis, mas em vão. Espreitei debaixo dos bancos, debaixo do carro, voltei a procurar dentro e nada.
Estava sentado a pensar no problema que representava ter perdido ou terem-me roubado a carteira, com todos os cartões de crédito, documentos de identidade, profissionais e do carro, cheques, etc., quando o telemóvel tocou, aparecendo no écran um número desconhecido da rede fixa.
Uma voz masculina perguntou pelo meu nome e onde estava. Respondi que estava no parque de estacionamento à procura da minha carteira. Afirmou que não era preciso porque a tinha achado. Combinámos encontrar-nos ao cimo das escadas rolantes e passados uns minutos, chegou e entregou-me a carteira com um ar de satisfação, de felicidade mesmo, estampado no rosto.
Contou-me que estacionou no parque e reparou que junto do carro estacionado ao lado, no chão, estava uma carteira. Apanhou-a procurou saber de quem era e o cartão-de-visita com o número do telemóvel ajudou a resolver o problema. Como o seu telemóvel não tinha carga teve que ir a uma cabina pública para tentar comunicar o achado, com a intenção de que, se não conseguisse encontrar o dono da carteira, a entregaria no balcão do centro comercial.
Perguntei-lhe como agradecer, mas disse que não tinha que agradecer. Convidei-o a tomar uma bebida e tomou um café. Compensei-o da despesa que tinha feito com o telefonema, mas não quis mais do que isso.
Fiquei a saber que tinha uma atividade profissional por conta própria que mal dava para as despesas, dois filhos a estudar e uma vida difícil. O seu rosto continuava a evidenciar a satisfação do dever cumprido e por me ter ajudado a resolver um problema complicado que existiria se a carteira tivesse sido encontrada por gente desonesta. Tive sorte e não é difícil compreender a razão. Quem já teve este problema sabe por que é que isto é verdade. Procurei-o, mais tarde, para lhe agradecer de modo mais efetivo o seu gesto, representativo de uma honestidade exemplar. Enfim, neste mundo materialista e tantas vezes desumano, em que o egoísmo prevalece em relação à moral e ao espírito de entreajuda, é salutar e muito gratificante verificar que ainda existem pessoas que sentem prazer e ficam felizes por ajudarem os outros. Bem haja, ilustre cidadão, um excelente exemplo a seguir!
manuel.duarte.domingues@gmail.com