“Je vous accuse…*”

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1972

Fernando Carolino | fdcarolino@gmail.com

Começo pelo básico. A falta de natalidade da minha geração. A ausência de vontade própria. A enorme vontade de nada fazer. Eu vos acuso a vós, os mais velhos mas a nós também. A educação que prima pela ausência. A arrogância de ser ou querer parecer mais do que se é. A dificuldade de aceitar a falta de qualquer coisa e de tudo. Eu vos acuso. A menor ambição pessoal. O facilitismo. O dinheiro fácil. A promoção social bacoca. A inexistência de oportunidades de emprego. Os encargos económicos elevados. Os sonhos desfeitos. Um país adiado e a definhar. Eu vos acuso. Um sistema político acabado, burocrata, neoliberal, capitalismo selvagem e incompetente. Um plano económico falhado, empréstimos abusados, dinheiro desbaratado, agricultura destruída, pescas fechadas, industria esmagada. Eu vos acuso. Permitam-me agora, complicar. Sistema bancário incapaz. Sector terciário oportunista. Estado social, trucidado. Educação, “matada”. Saúde, vendida. Diplomacia, ridícula. Investimento, adiado. As pessoas, esquecidas.
Que posso eu fazer? Só me resta acusar-vos. Acuso, de razão provada. De razão assistida. De razão consubstanciada no que me resta como herança. Desbaratou-se a existência, a razão de ser. O quer viver. O desejo de ser. A oportunidade de fazer. A Europa (comunidade) já era, África (o império), perdeu-se, Ásia (Timor, Macau, Goa, Damão e Díu) nunca se viveu e América (Brasil), acabou-se. Sim, acabou-se a mama, aquilo que era doce, o “filletmingnon”, o petróleo e o diamante, especiarias e o exotismo,
a banana e a cana-de-açúcar e, por fim, para rematar o sonho de também poder mandar. Eu vos acuso. É muito pouco de tudo ou tudo num muito pouco aquilo que nos é legado como futuro. Acabou-se o tempo de festa, de alegria, findou-se o estado de graça de uma liberdade conquista. Terminou o ensejo que nos foi dado para recuperar o tempo perdido e, durante o mesmo o
que se fez? O que se pensou? O que deixaram fazer? Gastamos, não pensamos mas gastamos, gastou-se e gastaram sem pensar. Eu vos acuso. Sendo este o tempo de balanço. Pergunto se estamos melhor ou pior? Se souberam adaptar ao que era solicitado.
Se tiveram consciência que a hipoteca do futuro efectuada não será demasiado onerosa? Se, enfim, agiram por agir ou se foram só incompetentes funcionais ou desastrados profissionais? Com a legalidade institucional e com legitimidade revolucionária que me assiste, de tudo isto, eu vos acuso. Vai por si, caro leitor.