De vez em quando entro ali numa papelaria e compro (mais um) caderno. Daqueles que encontramos despidos quando abrimos. Num deles, na capa estavam as flores que por estes dias vi brotar e ir (para dar lugar ao verde que nos vai “lavando as vistas” de esperança). Tinha ainda uma mensagem: “time goes by so fast, people go in and out of your life. You must never miss the opportunity to tell these people how much they mean to you”. Namorei os outros, mas deixei-os acondicionados na mesma gaveta. Com este foi amor à primeira vista; ou, pelo menos, paixão. E tenho partilhado com ele alguns rabiscos e registos.
Quando ainda não havia início, parecia impossível. Afinal, a China é tão longe. Depois, no início, já em clausura, os conselhos, as receitas (de comida, de exercício físico e mental) e as fotografias de bolos e pequenos-almoços e lanches proliferaram nas redes sociais como cogumelos selvagens na altura deles. Mas tudo continuava a parecer distante. Os aplausos às janelas em tom de agradecimento surgiram num contexto de réplica do que, por lá fora, se fazia. Uma espécie de aprendizagem observacional, como apregoado por certos modelos cognitivo-comportamentais. Por falar em réplica, até a um sismo se teve direito por estes lados, por estes dias. Muitos foram padeiros por um dia. Foram disparadas opiniões de sofá, de especialistas, de investigadores e muito mais. Acredito que muitas pessoas que não arriaram da doença, ficaram doentes com a overdose (contra)informativa.
O tempo ficou desarrumado e muitas casas e cabeças também. Ainda estão. O Zoom tomou o trono das atividades letivas presenciais. Nunca foi tão fácil entrar em casas alheias e apesar do sabor agridoce disso, há relações interpessoais que se estreitam e fortalecem. A minha veia de estudante agradece a cada colega e a cada docente: há palavras de solidariedade, há interajuda, há cumplicidade e proximidade que talvez as aulas presenciais nunca conseguissem criar com esta marca. Deve haver distância física, mas não distanciamento social, como tantas vezes (demasiadas, até) se ouve como se de uma poção mágica se tratasse. A distância física mede-se e quantifica-se, a distância social não. O ensino reinventou-se e sinto orgulho nos meus colegas e docentes. Não, não estamos sós nem sozinhos.
Fotografei o tempo e a mudança da hora (para o horário de um verão que nos será estranho e que desejaremos não repetir). A natureza revelou-se ímpar na sua forma de ser, como quem se mantém firme e assertivo. Os pequenos grandes luxos da vida foram-nos subtraídos num ápice e agora, que começam a ser devolvidos a conta-gotas, há uma apreensão e insegurança que será preciso domesticar. Reaprendi a viver sem restaurantes e sem aqueles luxos aos quais me fui habituando e tomei consciência que consigo viver sem eles. Contudo, aprendi que sem música, sem livros, sem os cadernos vazios e sem arte isto teria sido (ainda) mais difícil.
Se “vamos ficar todos bem”? Tenho dúvidas. Haverá lutos por ultrapassar, que deixarão cicatriz. Haverá cenários psico(pato?)lógicos que requererão cuidado, paciência e, por mais irónico que possa parecer… tempo, também. Ainda mais tempo, mas noutros moldes. A cultura reinventou-se e a solidariedade (local e não só) também. Gostava de acreditar que todos ficaremos melhores pessoas e que o arco-íris existe de facto para além daquela ilusão de ótica entre a água e a luz. Mas…
Afinal, da China até aqui “foi um salto”. Não foi impossível. Sim, o tempo (apesar de tudo) passa demasiado rápido e antes que algumas pessoas saiam da nossa vida, não percamos (tantas) oportunidades. Aprendamos algo. Não sabemos quando nem como a página irá virar, mas que seja missão possível depositar o melhor que somos no que fazemos e com quem estamos. Como sempre deveríamos fazer.
Isabel Moio