Está oficialmente aberta a época dos parques de estacionamento lotados. Como as salas de cinema aquando da estreia de uma película cinematográfica épica. E dos estacionamentos em segunda fila. E das filas: nos acessos à cidade, nas principais artérias completamente entupidas, nos centros comerciais e nas caixas dos hipermercados.
Está oficialmente aberta a época das compras apressadas e das de última hora (há sempre qualquer coisa que falta e é preciso ir já como se o cronómetro da bomba-relógio fosse rebentar no nanossegundo seguinte).
Está oficialmente aberta a época das trocas: porque a camisola não serviu, porque as calças estão apertadas, porque não se gosta daquela cor ou porque não era bem aquilo e até estava nessa mesma loja um outro objeto preferido…
Percebes que os tempos mudaram. Que o verdadeiro espírito natalício se desvaneceu numa qualquer esquina que não sabes. Que a entrega plena, de coração aberto e quente, a dádiva genuína e o afeto estão destreinados. Talvez tenham sido asfixiados pelo ruído e pela poluição dos escapes nas tais filas e pela ansiedade acelerada nas caixas dos supermercados…
Percebes isso quando sais para a rua, em representação de uma associação juvenil local, para distribuíres gratuitamente uma frase adocicada, polvilhada (ainda) com os verdadeiros pós de perlimpimpim dos Natais de outrora e muitas pessoas revelam distância e resistência. E afastam-se, como se estivesses a impingir-lhes uma daquelas promoções entediantes.
Percebes que algo está do avesso numa sociedade em que cada vez mais se ouve falar de “Educação para os Valores”. E que os valores (imateriais) têm vindo a ser sufocados pelo consumismo desenfreado, pela desconfiança e pela descrença.
Percebes que o Natal existe na teoria dos calendários como quem cumpre uma regra ou uma obrigação. Que há Natal nas mesas fartas, mas afastado das mentes que são autênticos escudos de proteção.
Percebes que as pessoas (já) não estão habituadas a receber carinho e atenção (muitas estão formatadas para o “hoje em dia ninguém dá nada a ninguém”). Muito menos em épocas que não sejam consideradas especiais.
Come-se. Bebe-se. Desatam-se presentes quando “bons são os abraços que nos embrulham, enlaçam e nos fazem sentir presentes”.
Por isso, abracemo(-no)s. Hoje e sempre que pudermos, enquanto pudermos. Mesmo que não seja Natal. Até porque “o Natal é quando o Homem quiser”. Tal como os abraços.