Ali, o tempo é diferente. Quando sais do Complementar em direção à Serra, a vida germina de cada poro do caminho de um modo que a claustrofobia citadina impede de construir. Adivinham-se ouriços que fazem a extensa travessia de um lado para o outro da via, arriscando o suicídio, num rasgo de ousadia. Os muros envelhecidos, feitos de pedras vividas e de musgo vestidos, denunciam tempos idos em que as gentes viviam no campo, do campo e para o campo – onde hoje são menos os que vivem, mas de onde muitos continuam a apreciar os sabores e a admirar os saberes.
Abrandas a velocidade de um carro que em poucos minutos te entrega mais depressa no destino, porque o tempo é (quase) sempre uma coisa escassa (há até quem diga que “tempo é dinheiro”, talvez porque o dinheiro tem valor – tal como o tempo ou, sobretudo, o próprio tempo e, por isso, quem tem tempo é rico… por vezes, mais rico do que quem tem dinheiro). Mas à conta de querer chegar rápido, quantas vezes nos esquecemos de viver?
Quando chegas, o sino anuncia horas certas e os olhos que estão para lá dos vidros, dentro de um dos cafés, erguem-se em direção ao exterior. Pouco depois passará a carrinha do pão fresco de tão quente. E da broa que, não sendo doce, o é. E um cão entrará e cumprimentará todos, como quem cumpre um ritual de boa convivência em sociedade.
Cá em cima o frio é mais agreste e dilacerante do que lá em baixo ou nas terras protegidas pelos montes da Sicó. Talvez por isso as gentes aqui nascidas e com raízes sejam mais rijas e imunes às notícias que não o são e a outras vicissitudes dos tempos que correm.
Aqui, o tempo vive-se ao som de uma rádio local nem sempre bem alinhada com a antena, sobrepondo diferentes estações. De resto, algo que não nos é de todo estranho. Afinal, dentro do inverno têm coabitado uma primavera antecipada e um céu de verão com frio de outono. Aqui, o meio de comunicação social privilegiado ainda é o “café da esquina” e não os equipamentos acionados por um telecomando para debitar notícias engenhosas e formatar mentes acríticas.
“― Ali ao lado, nos Netos, há um rapaz que é tecelão e ainda faz estas coisas!”
Ouves. E pensas que um dia tens de lá ir para registar com os olhos saberes que o corrupio dos dias vai mutilando. E um destes dias também deixarás o carro lá em baixo e virás a pé, para aplicar a lei da proporcionalidade direta: quanto mais tempo demorares, mais aprenderás. É isso que ensina a vida quando saímos das páginas de papel e nos descolamos dos ecrãs porque a educação e a cultura também se adquirem em modo “off line”, no contacto com o real e na rua, essa “escola” viva que não se circunscreve à instrução formal estandardizada onde muitos entram diferentes e tantos saem iguais.
Contaminada pelo facto de lidar, há alguns pares de anos, com Histórias de Vida, e de tantas estórias ouvir, continuo a acreditar que a Educação e a Aprendizagem ao Longo (e em todos os espaços) da Vida acontece no olhar atento e sedimenta-se nos pilares essenciais: Ser, Estar, Fazer e Viver em Conjunto. E faria sentido de outra forma?!