N(A) ESCOLA DA VIDA | Mudança dos tempos

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1979

Por estes dias mudou o tempo, com a subtração da hora que nos havia sido emprestada a meio caminho do outono, num compromisso coletivo: guardamo-la até à primavera, fazendo com ela o que mais nos apraz nos dias frios, mas quando o ciclo trouxer as flores compete-nos devolvê-la. Mudou também a estação, renovando as folhagens das copas e fazendo da serra um quadro impressionista, matizado com toques de realismo – tal como pela pena de Cesário Verde sobre a tela da poesia em que o campo contrasta com a cidade. O primeiro, marcado pela luminosidade, pelos sentidos e pelos sentimentos: como a nossa serra, em que nestes dias com a luz que se prolonga até mais tarde, se descobre e anuncia. A segunda, evidenciando a antinomia de personagens, edificações e oportunidades: como estes meses de (mais) recolhimento, experienciado numa cidade mais despida, mais silenciosa e mais taciturna.


Obrigaram-me os afazeres profissionais a antecipar as saídas quando a cidade se recolhia e os parques de estacionamento estavam quase entregues a si próprios. Percorrer as ruas afigurou-se uma (re)descoberta ao virar de cada esquina e levou a reencontrar-me numa escrita anestesiada: aquela que se sente mais do que se materializa. As escadas rolantes estavam paralisadas, reforçando como tudo estava suspenso; ao fundo, do lado direito, aquela loja fechada, onde em tempos tudo foi a 300. “Pombal é”, em algumas paragens de autocarro, recorda o que temos sido (a portas fechadas e em janelas digitais abertas), mas sobretudo o que queremos voltar a ser, sem barreiras nem distâncias: na cultura, na gastronomia, no desporto, no comércio, na tradição, na leitura.
Ouvia os meus passos mas, mais do que isso, o alcatrão, as pedras dos passeios, as vitrinas abafadas e a dor das cortinas fechadas. Hoje, já ouço o café ao postigo, os parques mais preenchidos, os passos mais acelerados e algum comércio que se descobre em estratégias reinventadas.
Sigo a caminho da escola, também ela semi-adormecida. Penso na função que assume, enquanto instituição carregada de significado e lugar de saberes e de interação. Mas creio que uma das mais imponentes aprendizagens está precisamente cá fora: nisto que nos envolve e que nos tolda os limites de ação. E se nestas mudanças do tempo e nestes tempos de mudança nenhuma lição maior de facto daqui extrairmos, não teremos sido bons aprendizes.

Isabel Moio

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Embora os documentos legais a identifiquem como natural de Pombal, foi em Coimbra que respirou autonomamente pela primeira vez. Assim, desde o penúltimo dia de dezembro de 1982 assumiu um compromisso com a vida: aprender a ser. Quase duas décadas depois regressou à cidade do Fado e do Mondego para dar continuidade à sua formação académica na área de Ciências da Educação. Aprofundaria aqui o significado de outro pilar: aprender a conhecer. Começou a aprender a fazer em 2007, quando a socialização profissional lhe abriu as portas no ramo da Educação e Formação de Adultos, no qual tem trabalhado e realizado investigação. Gosta de “sair por aí” e observar e fotografar todas as esquinas. Reserva ainda tempo para a escrita, sentindo-a como um elixir lhe permite (re)descobrir uma energia anímica e uma força motriz nos cantos mais inóspitos aos quais muitos olhares não associariam qualquer pulsar. É, neste campo, autora de obras literárias individuais e de vários textos e poemas publicados em coletâneas. E é assim que lê, sente e inala o mundo, num permanente aprender a viver com os outros.