Por estes dias mudou o tempo, com a subtração da hora que nos havia sido emprestada a meio caminho do outono, num compromisso coletivo: guardamo-la até à primavera, fazendo com ela o que mais nos apraz nos dias frios, mas quando o ciclo trouxer as flores compete-nos devolvê-la. Mudou também a estação, renovando as folhagens das copas e fazendo da serra um quadro impressionista, matizado com toques de realismo – tal como pela pena de Cesário Verde sobre a tela da poesia em que o campo contrasta com a cidade. O primeiro, marcado pela luminosidade, pelos sentidos e pelos sentimentos: como a nossa serra, em que nestes dias com a luz que se prolonga até mais tarde, se descobre e anuncia. A segunda, evidenciando a antinomia de personagens, edificações e oportunidades: como estes meses de (mais) recolhimento, experienciado numa cidade mais despida, mais silenciosa e mais taciturna.
Obrigaram-me os afazeres profissionais a antecipar as saídas quando a cidade se recolhia e os parques de estacionamento estavam quase entregues a si próprios. Percorrer as ruas afigurou-se uma (re)descoberta ao virar de cada esquina e levou a reencontrar-me numa escrita anestesiada: aquela que se sente mais do que se materializa. As escadas rolantes estavam paralisadas, reforçando como tudo estava suspenso; ao fundo, do lado direito, aquela loja fechada, onde em tempos tudo foi a 300. “Pombal é”, em algumas paragens de autocarro, recorda o que temos sido (a portas fechadas e em janelas digitais abertas), mas sobretudo o que queremos voltar a ser, sem barreiras nem distâncias: na cultura, na gastronomia, no desporto, no comércio, na tradição, na leitura.
Ouvia os meus passos mas, mais do que isso, o alcatrão, as pedras dos passeios, as vitrinas abafadas e a dor das cortinas fechadas. Hoje, já ouço o café ao postigo, os parques mais preenchidos, os passos mais acelerados e algum comércio que se descobre em estratégias reinventadas.
Sigo a caminho da escola, também ela semi-adormecida. Penso na função que assume, enquanto instituição carregada de significado e lugar de saberes e de interação. Mas creio que uma das mais imponentes aprendizagens está precisamente cá fora: nisto que nos envolve e que nos tolda os limites de ação. E se nestas mudanças do tempo e nestes tempos de mudança nenhuma lição maior de facto daqui extrairmos, não teremos sido bons aprendizes.
Isabel Moio