Naquela altura não havia nas ruas as corridas olímpicas como hoje. Fazia-se bolo-rei em casa de todos os tamanhos possíveis, consoante aquilo que a massa levedada fazia render e permitia. Em cima da mesa de camilha com motivos alusivos à época, iam nascendo os pratos à medida que os bolos iam cozendo. O cheiro quente difundia por osmose pela casa. Ficavam naquela sala que funcionava como um apêndice da cozinha. A mesma divisão que tinha uma porta com uma ranhura mágica: por lá, caíam os postais. Hoje, pouco cai, além dos folhetos dos hipermercados a anunciar o marisco, o bacalhau e as garrafas ao despique. Hoje dezenas de seres são notificados numa árvore de Natal em redes sociais. Ou recebem, por Messenger, correntes que não as unem, mas que as incentivam a partilhar com outras tantas e a devolver.
Hoje quase não há brindes nos bolos-rei. Ou rainha. Ou outros que se (re)inventam. Nem, secas, favas; ao contrário destes dias húmidos e frios. Como os tempos.
Faz-me confusão tanta luz e pouco brilho
Hoje, faz-me confusão a confusão. As filas. A pressa. O marisco esgotado. Os papéis de embrulho. Os próprios embrulhos. Os anúncios televisivos. As mesas com tudo e alguns corações com nada. Faz-me confusão tanta luz e pouco brilho. Faz-me confusão os clichês. As frases batidas e gastas e usadas e sem sumo nem sabor. O materialismo. O consumismo. Faz-me confusão que se compre porque sim. Porque não. E porque “tem de ser”. Faz-me confusão que os sentimentos estejam em desuso quando tanto se apregoa sobre Educação para os Valores, Cidadania, Voluntariado e Filantropia. Faz-me confusão esperar a meia-noite quando qualquer noite a meio é motivo para brindar ao novo dia e ao novo amanhecer. Que não percamos a capacidade de nos embrulharmos em abraços quentes e recíprocos (contrariando estes tempos e estes dias frios) porque o Natal não é só agora, mas quando o Homem quiser. Por isso, mais do que dar presentes, estejamos presentes.