À semelhança de muitos outros “países” dentro de Portugal, também ao nosso chegaram as chamas, reduzindo uma extensa faixa do “nosso” Pinhal a cinza. Mas também chegaram praticamente até dentro da cidade e a áreas florestais em algumas freguesias.
Este cenário, multiplicado pelo País, fez com que nas últimas semanas e nos últimos meses entrassem nas nossas casas pela televisão e deslizassem sob os nossos dedos através do telemóvel num fugaz acesso às redes sociais (onde as imagens têm sido incessantemente difundidas) olhares cheios de vazio, rostos sem norte (nem qualquer outro ponto cardeal) e mãos cravadas de um cansaço envelhecido revelador de que, por um tempo (quanto?), não sabem como nem por onde (re)começar.
Este corrupio de imagens faz-me crer que um dos problemas centrais do nosso País (e dos “países” dentro dele, porque há muito mais do que as grandes metrópoles) é de natureza educativa, de (in)consciência e de (falta de) um pleno envolvimento, de um sentido de devir coletivo e de cidadania ativa.
Ser-se socialmente responsável e consciente significa saber que húmus constitui a cultura portuguesa. Há cerca de dois anos o meu contexto profissional de então levou-me para o terreno. Percorri várias vezes o concelho de Pombal, freguesia por freguesia, e contactei com as gentes do nosso tecido económico-social. O nosso “país” – o nosso concelho – denota significativas disparidades: se na zona oeste empregados (e empregadores) eram, tendencialmente, mais predispostos à frequência de atividades formativas, no ponto oposto sobressaíam as resistências ao investimento na educação e formação. O fator idade associado à situação profissional fazia desejar, a curto prazo, a transição para a reforma, a desvinculação de compromissos cronometrados e a única ligação que almejavam era à sua agricultura para sustento familiar e aos seus animais.
Face aos recentes acontecimentos que introduziram mutações nas nossas paisagens, que sentido terá para um agricultor ver morrer os seus animais ou ver entregue ao Adamastor das chamas os pastos que lhes servem de sustento? Qual a fórmula que permite calcular o tamanho da angústia que sentem homens, mulheres e crianças ao assistirem à aproximação desse Adamastor que ameaça roubar-lhes os projetos e os sonhos de uma vida?
Recordo com saudosismo uma visita à Escola da Ponte. Pensava que seria recebida por um professor, para uma visita guiada formal. No entanto, surgiu uma criança de 9 anos que revelou a essência de cada recanto, explicou de forma madura a razão e o funcionamento de cada espaço e o porquê de cada trabalho exposto, contextualizando-o. Foi ainda esta criança que disse que os alunos da sua idade eram tutores dos que iniciavam o seu percurso escolar: era sua missão integrá-los, apoiá-los e protegê-los. Respirava-se, ali, um intenso perfume de proteção, de fraternidade, de consciência cívica e de capacidade interventiva. Um sentimento dificilmente replicável, mas não impossível.
Talvez se nos “países” dentro do nosso País existissem mais Escolas da Ponte (transversais a todas as faixas etárias e populações) que implicassem uma verdadeira aquisição e transmissão de valores e de afetos, as imagens não fossem tão cinzentas…