Costumo dizer que a Educação de Adultos acontece “lá fora”. Fora das salas formatadas, dos quadros, das projeções nas paredes e dos monólogos como se a pessoa adulta fosse uma esponja e se limitasse a ouvir e a absorver.
E acontece nas ruas, nas exposições, nas salas de teatro, nas casas de fado vadio, nas bibliotecas, na rádio, nos museus, nos concertos, no voluntariado, no associativismo… Embora seja inegável que na sala de aulas se adquirem as ferramentas essenciais de leitura, escrita e cálculo, parece-me inquestionável que é a vida que, de forma tão própria e sublime, nos ensina verdadeiramente a utilizá-las. Assim se constrói um processo que nasce da observação e da reflexão e culmina na ação transformadora e na educação que problematiza, se importarmos o pensamento de Paulo Freire para aqui e agora.
A Educação de Adultos também acontece nas tradições e na cultura que se herda – como se de um património genético se tratasse –, transmitidas de geração em geração. Por isso, é crucial que em cada geração exista quem acredite e faça acreditar. E, mais do que isso, que faça acontecer, pois não há festa sem pessoas. E não há tradição que resista sem se perpetuar nesta escala (e escola) que é o tempo.
A Educação de Adultos também acontece nas tradições e na cultura que se herda
Nos dias 26 e 27 de janeiro o concelho vizinho de Ansião foi exemplo de uma verdadeira simbiose que combinou convívio e cultura, ao ser palco da Centenária Feira dos Pinhões, homenageando uma tradição secular, reveladora da identidade desta terra e destas gentes.
Durante dois dias preenchidos, a estratégia de promoção e valorização do pinhão enquanto produto endógeno aliou-se à possibilidade de (re)descobrir o melhor do artesanato e da gastronomia das Terras de Sicó: as nossas terras, a nossa serra.
Percorrer as ruas adjacentes à Praça do Município significa, por esta ocasião, ser cúmplice do potencial dos produtos locais que dignificam o nosso território e sentir o elixir de frutos secos, compotas, licores, queijo do Rabaçal, enchidos, mel e azeite. Há lugar, ainda, para objetos divina e carinhosamente concebidos por mãos de autênticos artistas, acompanhados de breves explicações (face às perguntas dos mais curiosos) com as quais também é possível aprender.
Nas ruas o calor do tecido humano instala-se quando aqui e acolá grupos proporcionam momentos musicais, quase simultaneamente e numa sintonia tão rica como improvável, dando vida às pedras da calçada e cor aos sorrisos.
No entanto, captam especialmente a atenção as famosas fiadas de pinhões – esse fruto cujo sabor apenas é descoberto depois de (com mais ou menos astúcia, mais ou menos esforço) se quebrar uma casca dura. Por vezes, como a Educação de Adultos – também aqui é necessária paciência e robustez de pensamento para compreender que, pela aparência, pode ser confinada a um lugar residual no sistema educativo. Contudo, depois de desmistificar algumas ideias duras (como as cascas), constata-se que o interior é nutritivo e também alimenta o sentimento inerente à capacidade de aprender a aprender: todos os dias, em todos os espaços. Por isso, e para que possa continuar a acontecer “lá fora”, é importante que esta área seja de facto valorizada e não oscile em função dos momentos históricos e de princípios maiores e hierarquicamente definidos, mas voláteis. Apenas reconhecendo-lhe a sua capital função é possível continuar a fazer das ruas, exposições, salas de teatro, casas de fado vadio, bibliotecas, rádio, museus, concertos, voluntariado, associativismo e tradições verdadeiros cadinhos de experiências de Aprendizagem ao Longo da Vida.
Isabel Moio