18 de junho de 2017.
— Estás onde?
— Cá…
— Quando chegares, dizes-me?
— Sim…
— Quero dar-te um abraço.
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Era apenas o início de uma história cuja devastação emocional e paisagística ninguém tinha capacidade de antever. E teve impacto para todos: para os que foram, fardados e não; e para os que ficaram, abraçando uma logística inédita (assim me diziam alguns, fardados, quando regressavam, vazios e sensibilizados por, em décadas de serviço, nunca terem testemunhado tamanho contágio de solidariedade).
Na manhã do dia 18 de junho alguém nos levou um bolo-mármore ao quartel-sede dos Bombeiros Voluntários de Pombal. Ninguém tinha fome. Mas todos provaram (d)aquele gesto de amor. Até hoje, foi o melhor bolo-mármore que saboreei.
Na altura, fiquei. Apenas dois meses depois fui para Figueira (Pedrógão Grande). Já a casa não se reconhecia, entre o amontoado de pedras (e perdas) sem identidade.
Após o almoço, pela hora em que o calor nos provocava com mais intensidade, quando não podíamos selecionar xisto, fomos ao café da D. Rosalina. O casal, de idade generosa e sorriso resgatado dos escombros dos olhares, aqueceu-nos. Sentimos que era importante levar afeto àquelas gentes, apesar de os corações continuarem a ser baús de imagens carbonizadas. Fazia-lhes bem sentirem-nos ali para eles, por eles, com eles. Recusaram que pagássemos os cafés. Quem tanto perdeu, dava-nos tudo com tão pouco. Ficámos desarmados. No final da jorna voltámos, em gratidão, para consumir o stock de miniaturas que adormeciam no frigorífico junto à porta de entrada do simbólico estabelecimento.
Ali, naquele dia, a sentir o cheiro daquela terra queimada e daquelas gentes, aprendi. E aprendi com cada pedra afiada que (ainda) dilacerava o vazio e o cinzento; mas que também anunciava o verde que se começava a rasgar dos cantos mais inóspitos, pintando cenários de esperança. Com cada copo de vidro moldado, transformado em peças inéditas portadoras de uma história que nunca teriam sonhado contar. Nem encerrar.
A poucos dias de completar um ano desde que saboreei o melhor bolo-mármore, voltei. Voltei para ajudar a ReConstruir (mais umas páginas do) Pinhal Interior Norte. Reencontrei placas toponímicas com necrose pelas estradas estreitas onde algumas máquinas ainda trituram restos de áreas ardidas. (Re)encontrei gente de coração grande que deposita dedicação em cada bloco de cimento, em cada andaime e em cada pitada de sal com que tempera a carne para o almoço. Reencontrei janelas fechadas, mas, sobretudo, pessoas abertas que nos receberam com “boa tarde, jovens!”. É aí que se sente o poder de levar sorrisos e presença e contribuir para um novo latejar da vida. Ali escrevemos histórias. E fazemos História.
Urge não esperar episódios de natureza idêntica para disseminar gestos de amor e ReConstruir uma sociedade (mais) humana assente numa verdadeira Educação de (e para os) Valores porque é assim que imagens, bolos e abraços (também) se partilham.
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20 de junho de 2017.
— Estou a sair daqui agora…
— Fico à tua espera.
(depois de uma hora e picos com sabor a eternidade)
— Obrigado.
— Porquê?
— Por teres ido e regressado.
Isabel Moio