Graciosa Gonçalves, Professora
graciosa.goncalves@sapo.pt
Sempre procurei olhar para os meus filhos como doces e desafiantes empréstimos a médio/longo prazo: chegaram à minha vida, de mansinho, para eu cuidar e, por isso, são, também, e sempre, meus mestres na permanente aprendizagem própria da Escola do Amor, com duras disciplinas, todavia imprescindíveis, como a Paciência, a Perseverança e o Perdão. Tudo isto vivido, no meu caso, com três filhos de três gerações distintas, num curioso processo de aritmética física/emocional, ora com adições, ora com subtrações. Por força desta última operação (as partidas e ausências dos mais velhos), o crescimento de todos os envolvidos aumenta, embora de forma dolorosa porque, afinal, o coração não é só músculo e tecido, é também o lugar onde se aninha a saudade. Enorme, ou melhor, gigante, porém mitigada pelo balouçar contínuo entre o vazio e a plenitude das pequenas-grandes conquistas diárias deles, longe do ninho familiar. Este processo de crescimento próprio da dinâmica pais-filhos, embora com aspetos muito específicos decorrentes do contexto da Segunda Guerra Mundial, encontra-se brilhantemente explorado nos filmes “A vida é bela” (1997) e “O rapaz do pijama às riscas” (2008), até porque aí se revelam dois tipos distintos de pais que vos incito a descobrirem.
Desde que foi publicado em Portugal, em 2008, que tinha curiosidade em ler O Rapaz do Pijama às Riscas, livro de John Boyne que deu origem a um dos filmes acima mencionados, especialmente por tocar num tema que me interessa, o Holocausto. Cativou-me a premissa contida na sinopse (“Uma história de inocência num mundo de ignorância”),uma vez que, pela perspetiva infantil da narrativa, se revelava próxima do fantástico A Rapariga que Roubava Livros (Markus Zusak), sobre o qual refleti na anterior crónica.
Bruno tem 9 anos e nada sabe sobre as inomináveis atrocidades a que a Alemanha, o seu país natal, sujeita milhões de pessoas que não se enquadram nos padrões raciais idealizados por Hitler. Vive numa grande casa em Berlim, com a sua mãe, pai e irmã (Gretel) durante a Segunda Guerra Mundial. Ele sabia que o seu pai, militar, desempenhava uma importante função para o país e que, um homem conhecido por “Fúria”, tinha grandes planos para ele, todavia não sabia ao certo o que o seu pai fazia. Um dia, foram visitados por “Fúria”, um individuo baixo, de cabelo escuro, cortado muito curto e com um bigode minúsculo. Depois desse jantar, o pai de Bruno recebeu um novo uniforme e foi nomeado Comandante. Toda a família de Bruno teve, então, de se mudar para Auschwitz devido à nova posição do pai, com grande tristeza para a criança, pois não tinha a companhia dos seus três melhores amigos, Karl, Daniel e Martin. Bruno tinha uma janela no quarto da nova casa, e para além da floresta e de um jardim, extremamente cuidado, havia também uma vedação, ao longe, que se estendia pelo horizonte, onde via idosos, adultos e crianças, que despertavam o seu interesse. Foi perguntar ao seu pai quem eram aquelas pessoas, mas o pai respondeu-lhe de forma surpreendente: “Aquelas pessoas não são pessoas.”
Proibido de explorar a casa nova e arredores, o rapaz não resistiu ao mistério daquela vedação, pelo que acabou por encontrar, no outro lado da vedação, um rapaz judeu de nome Shmuel: com 9 anos, tinha nascido no mesmo dia que Bruno, o que, sendo uma grande coincidência, adivinhava o que viria a ser uma forte amizade. Desde esse dia, os dois rapazes passaram a encontrar-se no mesmo sítio onde se conheceram, todos os dias durante um ano, brincando e contando a história do dia-a-dia em cada lado da vedação.
Muitas mais peripécias se sucederam (principalmente envolvendo Pavel, o hortelão judeu que servia a família alemã), até que Bruno soube que ele, a sua mãe e a sua irmã iriam voltar para a sua antiga casa em Berlim, por ordem de seu pai. Perante este facto, os dois rapazes planearam a sua última aventura: Bruno veste uma farda do campo (um pijama às riscas) e passa por baixo da vedação, ajudando a procurar o pai de Shmuel que tinha desaparecido há três dias. Viram-se, então, envolvidos numa marcha comandada por guardas nazis, formando-se um aglomerado de centenas de pessoas, que se dirigiam a uma câmara de gás, que Bruno pensava ser para abrigar as pessoas da chuva. O rapaz alemão aperta as mãos ao rapaz judeu, convencido que nunca as ia largar acontecesse o que acontecesse. Subitamente, as luzes apagaram-se.
Este romance aborda a época Nazi de uma forma simples, não deixando, no entanto, de ser cruel e realista, para memória futura. Recomendo-o, já que se centra na inocência de duas crianças que, apesar de pertencerem a culturas/raças distintas, conseguem viver uma amizade pura num mundo ignorante, revelando-se como exemplo de respeito perante a diferença. Não é por acaso que a imagem do baloiço de Bruno, a oscilar no jardim da casa de Auschwitz emerge no meio do horror cinzento do fumo dos fornos crematórios, mesmo ali ao lado, afirmando-se, assim, como uma marca indelével da humanidade que deve andar sempre de mãos dadas com a tolerância e a inocência.