Manuel Duarte Domingues
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Era uma reunião habitual dos órgãos de gestão e fiscalização da Empresa, o que sucedia com regularidade, dada a necessidade de acompanhar a evolução dos negócios e de avaliar o desempenho. Aliás, essas reuniões eram sempre extremamente interessantes, não só pelo sentido de humor que caracterizava as intervenções dos membros da Administração sempre que possível e aplicável, mas também pela profundidade, conhecimento e capacidade que evidenciavam. A agudeza de espírito, o realismo e o nível das intervenções, garantiam que o tempo era bem aproveitado, acrescentando, sempre, valor aos conhecimentos individuais.
Mas, naquele dia, o optimismo estava arredado do semblante daqueles excelentes gestores. Só depois percebi a razão de ser desta situação anormal. Logo a seguir, iriam ter uma reunião com alguns trabalhadores que teriam que ser dispensados para cumprir uma necessidade absoluta de redução de custos, condição absolutamente necessária para a viabilização e sobrevivência da empresa. Conhecia bem aqueles Gestores, em resultado de um trabalho em comum de muitos anos. Sabia o modo como interagiam com todos os colaboradores da Empresa, revisor oficial de contas incluído. Tinha presente a maneira como valorizavam o capital humano, a importância e o papel fundamental que atribuíam aos seus Trabalhadores. Era como se se tratasse de uma família. E isso era evidente nas festas de Natal e noutras realizações em que se procurava aprofundar o espírito de grupo, o companheirismo sem diferenças, a habituação de vestir a camisola da Empresa. Sentia-se ali uma cultura da empresa que me agradava. O pessoal tinha orgulho em trabalhar ali, vendo a importância que davam ao seu trabalho e o modo como os Sócios e os Administradores tratavam os Trabalhadores e se relacionavam com eles. Havia, no ar, um optimismo e uma alegria de viver que contagiavam toda a gente e que permitia performances notáveis e um crescimento sustentado das vendas e dos lucros. Nas festas de Natal os trabalhadores votavam no ou na colega que mais se tinha distinguido naquele ano e este reconhecimento do mérito, consensualizado, servia de incentivo à melhoria do desempenho individual e, contribuindo, como é evidente, para o progresso e crescimento da Empresa.
Sabia o gosto que aquela Administração tinha em contratar pessoas, dar emprego, seleccionar competências, estimular as aptidões dos seus empregados, dando-lhes a oportunidade de demonstrarem capacidades. Conheciam-nos bem a todos, pelo nome, pelas condições pessoais, familiares e profissionais, apesar de serem muitas dezenas.
Mas, a crise, a redução do volume de negócios, os créditos incobráveis, o peso dos juros bancários, obrigaram à redução do quadro de pessoal. Depois a dificuldade de seleccionar os que teriam que sair. As lágrimas de uma das Administradoras lamentando esta necessidade, sabendo dos problemas pessoais que isso acarretaria a alguns trabalhadores, impressionaram-me profundamente. Era evidente o desgosto que todos sentiam, apesar de existir a promessa de que, quando a situação melhorasse, seriam convidadas a voltar.
Iam reunir com esses trabalhadores logo a seguir à nossa reunião. E já anteviam um ambiente de dificuldades e de sofrimento.
Devo confessar que é esta sensibilidade dos verdadeiros Empresários que me faz ter confiança no futuro da nossa economia. Atualmente sofrem, porque têm que equilibrar os resultados para não terem prejuízos, compensando os custos de funcionamento, cobrar dos clientes para poder satisfazer os seus compromissos em relação ao Estado, fornecedores, bancos e outros, não esquecendo os trabalhadores porque o pagamento dos ordenados é fundamental e não pode nem deve ser feito com atraso.A crise actual resultou, essencialmente, da má governação da nossa democracia, porque muitos países têm conseguido ultrapassar a crise internacional. Se os governantes responsáveis pela falência do País, tivessem seguido princípios de ética, procurado fazer justiça social, tivessem tido o sentido patriótico de servir o País e os Portugueses, se tivessem estado preocupados com o nosso futuro colectivo e se não tivessem desperdiçado recursos por razões eleitoralistas, não tínhamos chegado a esta situação e as elevadas taxas de desemprego não se verificariam. Mas sentaram-se e continuam comodamente sentados à mesa do orçamento, gastando o que não têm, endividando-se cada vez mais, porque não lhes custa, nem são responsabilizados. Eles passam e a crise fica. Fica sempre a questão: quando é que este estado de coisas mudará, ou seja quando é que os responsáveis pela gestão pública se consciencializarão de que é necessário mudar?