O Maniqueísmo é uma filosofia religiosa pensada, criada e propalada pelo profeta Maniqueu, que viveu no século III. Esta doutrina consiste numa visão dualista do mundo. A visão da realidade de Maniqueu consiste em opostos incoadunáveis: o bem e o mal; a luz e as trevas; o espiritual e o material. Esta corrente advoga que não existe nada entre os opostos. A realidade ou é “preta” ou é “branca”, não havendo lugar para matizados. Ao longo dos séculos, este conceito foi perdendo força, mas teve o mérito de entrar na nossa linguagem comum, atribuindo-lhe um sentido pejorativo. Ser Maniqueísta significa que se ignora a complexidade dos diversos agentes que compõem a realidade, reduzindo essa visão à existência do intrinsecamente bom e o intrinsecamente mau. Representa, portanto, o contrário do senso-comum.
Apesar deste conceito contrariar a própria natureza humana, a política, em determinados contextos, redescobre-o, de acordo com a sua conveniência. Todos nos lembramos do exemplo mais paradigmático (e anacrónico) do Maniqueísmo agregado à política: a Guerra Fria. Também os movimentos políticos e religiosos radicais, fazem uso desta filosofia, negando, desta forma, que a sociedade é, por definição, uma ordem determinada pela diversidade dos seus constituintes.
A democracia permite a liberdade de constituição de grupos organizados de pessoas com visões da sociedade divergentes. As ideologias, como elementos filosóficos congregadores de ideias, convicções e pensamentos, conflituam necessariamente entre si. Mas nem tudo na política é ideológico. A organização política em Portugal consagra a democracia representativa. Este modelo determina que as diferentes sensibilidades tenham um legítimo papel de participação na decisão, devidamente previsto e salvaguardado na Constituição da República Portuguesa.
Nestas últimas eleições para a Assembleia da República, a quantidade de vezes que determinados partidos políticos votaram favoravelmente as propostas de outros partidos, mesmo que ideologicamente dissonantes, foi frequentemente utilizada como arma de arremesso político. A enfatização deste facto apenas se entende pelo “calor” do combate eleitoral. Nada é mais natural. Como referi, nem tudo é ideológico e o acolhimento de uma ideia que vá ao encontro da resolução dos problemas da população, encerra em si, o real e procedente papel dos organismos de decisão política. Aprovar uma proposta vinda da oposição, mesmo que se reconheça que deva ser aprofundada e melhorada, para além de ser reveladora de sentido democrático, denuncia a aptidão mais elementar para o exercício do poder. Se assim não fosse, as maiorias absolutas, desarmonizariam com o próprio conceito de democracia. Maioria absoluta não é o mesmo que poder absoluto.
As últimas duas Assembleias Municipais demonstram, claramente, que a filosofia religiosa tresloucada de Maniqueu ainda tem fiéis seguidores em Pombal. Na realizada em Dezembro, as propostas enviadas ao Presidente da Assembleia pela oposição, para inscrição na ordem de trabalhos e consequente discussão e votação, não foram admitidas, sob a alegação dos ofícios não mencionarem expressamente essa intenção. Podemos questionar se o sentido de uma proposta enviada a uma assembleia poderia ter algum outro objectivo para além da sua apreciação pelo órgão. Não teria o Sr. Presidente da assembleia a obrigação de clarificar previamente esta situação junto dos proponentes? Não o fez, preferido escudar-se no preceito formal em vez de zelar pelo enriquecimento do órgão a que preside. Na assembleia do passado dia 23 de Fevereiro, ficou claro que os senhores do poder de Pombal não vêem a submissão de propostas por parte da oposição como uma contribuição para o engrandecimento da discussão política. Pelo contrário. Foi evidente que o facto da oposição marcar a sua intervenção política pela proposta, foi vista como um intolerável atrevimento apenas com o fito de criar entropias ao andamento dos trabalhos. Todas as propostas da oposição foram subliminarmente rejeitadas sob os mais diversos pretextos. Se algumas foram reprovadas por legítima discordância política, outras, porém, foram declinadas sob a justificação de “já se ter falado no assunto”, de ilegalidade (que ficou por demonstrar) e até (pasme-se!) com base em julgamentos de caráter dos proponentes.
Afigura-se-me claro que os senhores do poder de Pombal (mais do que nunca) perderam a noção da realidade e da responsabilidade que lhes foi mandatada. Parecem não perceber a vertigem com que estão a contribuir para transformar o distinto exercício da política, num pueril concurso de pilinhas, cujo vencedor nem precisa de a exibir para se declarar vencedor. Ganha por aclamação. Parecem também não se dar conta que, até para muitos dos seus, esta mise-en-scène atabalhoada, assemelha-se mais a uma curiosa forma de Maniqueísmo agaiatado, do que a democracia. ESTARÁ A INCLINAR-SE O PLANO?
UMA NOTA FINAL: Para todos aqueles que, neste preciso momento, se dispõem a derramar o seu próprio sangue pelo sonho da paz e da liberdade, a minha mais profunda admiração e respeito. СЛАВА УКРАЇНІ
Aníbal Cardona
Consultor/Formador
* O autor deste artigo acha que o novo acordo ortográfico é palerma. Mas há coisas muito piores…
*Artigo de opinião publicado na edição impressa de 03 de Março