A Coca-Cola é uma das bebidas mais consumidas em todo o mundo. Não certamente pela sua magnificência, mas sim pelo marketing associado à marca. Tive um professor, em tempos, que dizia: “A Coca-Cola é o mais acabado exemplo de como é possível transformar um produto de m**** num sucesso global”. O sucesso da Coca-Cola pode explicar-se, numa primeira fase, pela diferenciação do produto em si, mas foi o inovador enredo promocional que determinou o seu retumbante e sustentável êxito. Nesta trajectória nada foi deixado ao acaso: grafismo da marca, forma da garrafa, life style associado ao seu consumo, etc. Foi a Coca-Cola que criou o Pai Natal tal como o conhecemos. O Lucky Luke, o cowboy mais rápido do que a própria sombra, num dos seus livros, troca o shot de whiskey por uma Coca-Cola. São muitos os grupos musicais que fizeram referências à Coca-Cola nas suas músicas: U2, The Beatles, Red Hot Chili Peppers, Bee Gees, e até os nossos Belle Chase Hotel. Muitos não saberão que a frase “Primeiro, estranha-se. Depois, entranha-se.” foi um slogan escrito por Fernando Pessoa para a Coca-Cola. Paralelamente, o mito do secretismo da sua fórmula também lhe atribuiu algum poder encantatório. Este carácter misterioso fez com que o antigo Delegado de Saúde de Lisboa, Ricardo Jorge, mandasse retirar o produto do mercado alegando que teria resquícios de cocaína, o que foi verdade até 1903. Mas para o Portugal salazarento, na dúvida, o melhor era mesmo proibir. Esta proibição permaneceu até 1977. Não restam dúvidas de que a Coca-Cola é um fenómeno comercial, económico e cultural. Quando bebemos uma Coca-Cola é difícil discernir se estamos a consumir a bebida ou toda a enxurrada de mensagens promocionais que já nos toldaram os miolos. Pessoalmente, apesar de reconhecer os seus dotes “milagrosos” na cura da ressaca etílica, a minha opinião não anda longe da do meu professor.
Há uns tempos, num jantar de amigos, escutei uma curiosa comparação entre a Coca-Cola e o poder que se enquistou em Pombal, no sentido em que ambos vivem da imagem e não da substância. Achei curioso o paralelo. De facto, a imagem de proficiência e modernidade que emana do Facebook parece não ser acompanhada pela substância da governança citrina. Não me vem à cabeça nada, nestes 30 anos de laranjal, em que Pombal se tenha destacado. MENTIRA! Na perda de população. Nisto têm sido espetaculares. Nestes últimos 10 anos temos perdido um pombalense por dia. A incapacidade dos sucessivos Executivos para inverter este fluxo merece reflexão. Será que é uma estratégia para poupar aos pais à chatice de terem de aturar filhos adultos, em casa? Se for, resultou em cheio. Quando os vemos ir para a Universidade podemos ter a certeza de que já não voltam. Será uma manobra para promover Pombal no exterior? Também me parece verosímil. É um facto que há pombalenses de sucesso nas mais variadas geografias e sectores de actividade. Sempre se poderá dizer que são nossos. Apesar de alguns apenas se lembrarem vagamente disso. Como sou má-língua, ainda posso postular outra tese. Escorraçar os melhores poderá ser interessante na perspectiva de, com a diminuição da massa crítica, criar as melhores condições para este poderzito se perpetuar indefinidamente. Com menos gente culta e capaz, a táctica do controlo das associações pelos seus acólitos, aliada ao folguedo e ao aproveitamento político à custa de tudo o que mexe (até dos mais desgraçados), será sobejamente suficiente para manter o domínio. Até porque a mudança de táctica levaria tempo e não é evidente que o partido que manda tenha nos seus quadros (?!?!) algum Pepe Guardiola do pensamento político (ou mesmo apenas do pensamento).
Mas a vida nem sempre é fácil. Mesmo semeando intensivamente a mediocridade para prosperar, quando se vive em democracia, existe sempre o risco de aparecerem uns malandros a quererem enfrentar o poder instalado. Que chatice! Quando se depende do poder para comer (textualmente), há que dar o tratamento adequado aos atrevidos. As Assembleias Municipais têm sido um palco privilegiado de como a turma alaranjada lida magnificamente com os insurrectos. O mandante-mor simula um tipo de surdez selectiva que não lhe permite ouvir as perguntas dos malfeitores. Os seus fâmulos, como não têm espelhos em casa (nem livros, me parece), exorbitam a sua lealdade desqualificando prolixamente os malvados opositores.
E quando os velhacos da oposição se tornam muito, muitos chatos e persistentes? Para lidar com este tipo de empecilho, nada melhor do que ir buscar inspiração a uma decana do PSD e suspender a democracia. Na última Assembleia Municipal, foi isso que aconteceu. Durante a intervenção de um membro da oposição, um deputado da maioria (talvez acometido por uma daquelas coisinhas que não escolhem dia nem hora) fez um requerimento à Mesa da Assembleia para que se passasse de imediato à votação do ponto, cortando a palavra a quem a proferia. A Mesa acolheu olimpicamente a ideia e submeteu à votação o requerimento. A bancada do PSD, fazendo uso do seu défice de calcificação da coluna vertebral (dá muito jeito padecer desta maleita em política), votou favoravelmente a mordaça. Malta esperta, sem dúvida. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO SÓ CAUSA ABORRECIMENTOS!
Este Regime Coca-Cola, apesar de choco, é só o que temos para beber. Mas cheira-me que os malefícios do açúcar mascavado começam a ser demasiado evidentes. Talvez um dia (mais próximo do que se pensa), o povo se farte da Coca-Cola pútrida e o oiçamos replicar a mais afamada frase do Zezé no “Filme da Treta” quando estava a morrer de sede no deserto: “DÁ-ME VINHO! DÁ-ME VINHO! NEM QUE SEJA DE PACOTE!”. Já marchava um pacotinho!
Aníbal Cardona
Consultor/Formador
* O autor deste artigo acha que o novo acordo ortográfico foi concebido sob o efeito de uma Coca-cola fora de validade.
*Artigo de opinião publicado na edição impressa de 05 de Maio