Gotham é uma cidade fictícia que saiu da imaginação de Bob Kane e Bill Finger, os criadores de Batman. Para que fosse justificável a cidade ter um super-herói ao seu serviço, os autores descreveram-na como um antro de crime e violência. A identidade por detrás de Batman é Bruce Wayne. Um milionário que encarna a personagem vampira para se vingar do assassinato dos seus pais. Para isso, promete levar a cabo uma demanda contra todo o tipo de vilanagem. O método é sempre o mesmo: Como tem hábitos nocturnos, é pela calada da noite que actua. Grosso modo: sai à noite para andar à “porrada” com os bandidos. Como a iluminação pública de Gotham não é grande coisa, estão criadas as condições perfeitas: um ambiente obscuro e sombrio que permite a Batman infligir nódoas negras aos patifes sem dar muito nas vistas. Julgo que também oculta alguma brincadeira menos própria com o Robin, o seu fiel escudeiro (nunca percebi muito bem a relação destes dois).
Se a pobreza da iluminação pública de Gotham se justifica para dar cobertura às proezas nocturnas do Batman, já em relação à de Pombal o motivo terá de ser necessariamente outro. Até porque, apesar de aqui alguns se acharem merecedores da titulatura de super-herói, na realidade, não o são. Para já, não andam de capa, com aqueles fatinhos de licra e com as cuecas por fora das calças como qualquer super-herói que se preze (isto, sinceramente, gostaria de ver). Por outro lado, falta-lhes o altruísmo próprio da condição.
Então, qual será o motivo da nossa cidade estar na penumbra? Quero acreditar que a iluminação pública de Pombal tenha sido alvo de um estudo. Podemos definir um estudo como a análise científica de um assunto, antes da sua colocação em prática. A busca de uma resposta tecnológica / económica / ambiental para a produção de um determinado efeito. No caso da iluminação pública, o efeito pretendido será sempre a criação de condições conforto aos cidadãos por via da visibilidade, segurança e promoção da inter-acção social. Como facilmente percebemos, os indicadores de conforto não são objectivos, variando de acordo com a percepção de cada um. Não querendo colocar em causa a proficiência do estudo (espero que o haja), penso que o efeito produzido é pobre. Além da fraca intensidade, a opção de temperatura da cor da luz (sim, a luz tem temperatura; mede-se em graus Kelvin) também me desagrada. Uma cor fria (temperatura de cor mais elevada), como aquela que exala das luminárias da nossa terra, produz um efeito tristonho e de redução de espaço. Os tons mais quentes (temperatura de cor mais baixa), por seu turno, criam um ambiente mais acolhedor e excitante, e dão amplitude ao espaço (isto está tudo nos livros). Talvez a escolha de criar em Pombal um ambiente mais fleumático forneça um belo epíteto para que as gerações futuras (se as houver) se refiram a estas décadas de poder laranja (já bastante apodrentada) como “Obscurantismo”. Se percorrermos a cidade à noite podemos observar que várias ruas gravitam na penumbra. Algumas até das principais.
Quem vive em Pombal já estará, com certeza, habituado às mais variadas tolices perpetradas pelos senhores que têm mandado na nossa terra: mamarrachos, “cardaleiras”, pirâmides, posto de turismo no castelo (esta é particularmente “deliciosa” de tão parva), “elefantes brancos”, etc. A indestreza, apesar de ser sempre triste, às vezes até nos merece uma gargalhada zombadora. Quando essa ineptidão se torna perigosa, metamorfoseia-se de inconsciência e irresponsabilidade.
Vejamos o caso da Avenida Heróis do Ultramar, particularmente o troço entre o viaduto da EN 237 e a Rotunda do Agricultor. É uma via importante. Além de bastante habitada, é também uma entrada relevante da cidade (liga ao IC8 e à A1.). Aqui, para além da parca iluminação, parte das luminárias estão “escondidas” por entre a copa das árvores. Talvez que, quando se reformulou a iluminação pública ninguém tenha pensado no “conflito” entre o porte das árvores e a altura dos suportes das luminárias. Este facto, aliado a um traçado que convida a aceleradelas e à “invisibilidade” das passadeiras, torna esta artéria especialmente perigosa (com o histórico trágico que conhecemos). Julgo não ser necessário possuir uma sensibilidade de super-herói para perceber que a substituição dos suportes das luminárias por outros mais baixos (não cortem as árvores, por favor!) e relevar as passadeiras, dotando-as de elementos fotoluminescentes, poderia resolver o problema. Então, porque não se faz?!? Talvez porque tenhamos perdido o hábito de responsabilizar a irresponsabilidade. Ou, então, porque estamos à espera que apareça o Batman para castigar os levianos.
*O autor deste artigo acha que quem pensou o novo acordo ortográfico reviu o documento à luz de uma luminária de Pombal.