Impressionou-me a atitude do futebolista franco-maliano Moussa Marega quando abandonou o campo no decorrer do jogo entre a sua equipa, o F. C. Porto e o V. Guimarães. Fê-lo por não conseguir suportar as provocações de teor racista que vinham das bancadas. Fê-lo com uma determinação inabalável, resistindo às múltiplas tentativas dos colegas, dos adversários e do próprio treinador em dissuadi-lo da corajosa decisão. OS MEUS RESPEITOS.
Não creio que o meu país seja racista e não foi este caso que me fez mudar de opinião. Atribuo a este acontecimento um carácter circunstancial, fruto do “caldo de cultura” que representa o futebol. É difícil de explicar o fascínio que o futebol exerce sobre tanta gente. Quantos de nós é que, no fervor da envolvente de um estádio, não destilámos impropérios (normalmente visando os hábitos sociais das santas mães e das digníssimas esposas dos árbitros). Estes agravos são “desculpáveis” pelo contexto emotivo e pela catalisação que o efeito de “manada” produz no mais pacífico dos adeptos.
A crescente mediatização do futebol, aliada ao ambiente de uma certa alienação que se gera nos estádios, presta-se à instrumentalização, nomeadamente, por parte de um tipo de específico de estúpido: o racista. Em minoria, esta besta, de uma forma mais fria e organizada, usa a ardência clubista para coagir a multidão em exaltação a dar eco aos seus néscios propósitos. Aqui entra em cena outra espécie de obtuso: o ignorante. O ignorante não sabe distinguir um qualquer (e “inócuo”) “GRANDESSISSIMO FILHO DA PU**” OU “ÉS UM CABR**” a plenos pulmões, do mais sórdido ultraje de feição racista. Nem percebe que está a ser usado como uma mera caixa-de-ressonância dos intentos do canalha. O racismo, como qualquer outro tipo de estupidez, necessita da ignorância para prosperar. A bola presta-se a este pot-purri de insciência.
Mas o turbilhão de entusiasmo e emoções que o futebol desperta também serve de embuço para os intentos de outro tipo de gentalha. Esta mais engravatada e aprumada: o dirigente (muito) pouco sério. Esta espécie, sedenta de notabilidade, alapa-se ao seu lugar com tal força que parece untado de Super-cola 3. Sabe que enquanto permanecer no seu cargo nada de mal lhe pode acontecer. Não perfilho o adágio popular de que “não há fumo sem fogo”, mas a fumarada é tanta que exige, pelo menos, algum recato no trato com estes personagens. São múltiplas as suspeitas que recaem sobre os dirigentes desportivos, mormente, os dos principais clubes: “Apito dourado”, “Apito encarnado”, “Cashball”, “Operação Lex”, “Vouchers”, “E-mails”, são alguns dos casos judiciais que os envolvem. Para o adepto fervoroso nada disto tem importância. Pensa convictamente que não passam de cabalas arquitectadas pelos adversários (o que interessa é a bola entrar na baliza). Outros, os que têm a obrigação de racionalizar o seu proceder, como é o caso dos nossos responsáveis políticos, actuam de forma não muito distinta dos fanáticos. Apesar do eflúvio a moscambilha da grossa, agem como se nada fosse e não desdenham de um convitezito para uma jogatana. Para adensar a suspeição de que o futebol é um mundo que vive à margem das regras da sociedade, são os próprios deputados da nação que, sem qualquer prurido, organizam jantares anuais com os presidentes dos principais clubes, independentemente da quantidade de suspeitas e acusações que lhes pairam sobre o escalpe. Alguns deles acontecem mesmo dentro das instalações da Assembleia da República. PROMÍSCUIDADE MAIS PROMÍSCUA, NÃO HÁ. Neste particular, faça-se justiça aos deputados do Bloco de Esquerda. Estes não vão em futebóis.
Quando naquele final de tarde do dia 10 de Julho de 2016, no Stade de France, o Éder arrancou aquele notável pontapé que nos fez, de forma quase poética, CAMPEÕES DA EUROPA, senti uma enorme alegria. Incontida, mesmo. Mas passado o clamor do triunfo, fico um pouco triste por ver tantos torpes a usar o real objecto da nossa paixão como uma pequena, paciente e já muito gasta rameira. Será assim tão transcendente expurgar de vez esta crosta de parasitas? Ou será que ainda continuamos a ser UM PAÍS DE BRINCAR?
Aníbal Cardona
Consultor/Formador
*O autor deste artigo acha que quem pensou o novo acordo ortográfico deveria ter levado aquela bolada do Éder.
*Artigo de opinião publicado na edição impressa de 05 de Março