Mohamed Bouazizi, apesar de se ter formado em engenharia, vendia frutas e legumes pelas ruas da pequena cidade tunisina de Sidi Bouzid para sustentar a sua família de 8 pessoas. No dia 17 de Dezembro de 2010 foi abordado por 3 inspectores do governo, que, com o objectivo de lhe extorquir dinheiro, lhe pediram a licença para a venda ambulante, o que na altura não seria necessário. Perante a recusa de Bouazizi em aceder à rapina, levaram-lhe o carrinho de mão com que fazia as vendas e as balanças e jogaram fora os produtos que vendia. Indignado, o jovem foi à sede do governo regional para resgatar os seus bens. Para além de não lhe serem devolvidos, ainda foi agredido e humilhado. Incapaz de suportar tal aviltamento, Bouazizi emulou-se pelo fogo à frente do edifício do governo regional. Numa mensagem que deixou à sua mãe antes do sacrifício, pediu-lhe desculpa por ter perdido a esperança. Mohamed Bouazizi morreu poucas semanas depois devido às graves queimaduras que sofreu. Tinha apenas 26 anos.
Este acto de Mohamed Bouazizi desencadeou uma desmedida onda de manifestações e protestos que ficaram conhecidos como “Primavera Árabe”, com repercussões gigantescas por todo o mundo árabe: revoluções na Tunísia e no Egipto que redundaram em mudanças de regime; guerras civis na Líbia e na Síria e violentos protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã e Iémen. Na linha da frente dos protestos estiveram os mais jovens. Foi a sua indignação e fúria por lhes estarem a roubar (tal como a Bouazizi) a esperança, que fez com que, a partir daquele momento, o mundo não voltasse a ser o mesmo. Neste mesmo instante, combate-se nas ruas de Minsk e de Beirute. E são mais uma vez os jovens que enfrentam corajosamente o fogo para que não lhes soneguem o futuro a que têm direito.
Parece paradoxal que esta possança indomável que é a juventude, manifeste uma enorme letargia quando lhe é pedida a participação nos diferentes actos eleitorais. Este facto é mais notório na Europa. Podemos alvitrar que os jovens europeus, por viverem num maior conforto, estarão, por ventura, mais aburguesados. Não me parece. Se assim fosse, as principais cidades europeias não teriam presenciado tantas e tão titanescas manifestações, nomeadamente, contra a indiferença perante as alterações climáticas, contra o recrudescimento do fascismo, contra o racismo, contra o capitalismo selvático. Não me restam dúvidas que os jovens, cada vez mais, entendem a importância de possuírem uma identidade política / ideológica. Pelo menos, a sua maioria: Há muitos que preferem viver com as “fuças” enfiadas nos seus smartphones a dar largas ao ser feliz e quase perfeito que é o seu alter-ego digital (NOTA: Esta disformidade não ataca só os mais novos). Mas recentremos a reflexão naqueles que contam: Porque é que esta energia indómita é tão residualmente participativa nos processos eleitorais? Esta é a questão de um milhão de dólares a que muitos interessa saber responder e que a outros tantos, nem por isso (como está, está bom).
Talvez seja um problema de falta de identificação do eleitorado mais jovem com os actores políticos que se apresentam a sufrágio. É uma possibilidade plausível. Esta falta de identificação também me parece que se verifica em relação às juventudes partidárias. Estas organizações políticas, cujo objectivo último é a arregimentação de societários jovens, apresentam-se-nos como estruturas decalcadas dos partidos-pai mas com mais borbulhas. Até a roupita que escolhem tresanda a uniforme do partido: Mais à direita do espectro político escolhem as calças chino beges e camisa azul-cueca com as mangas semi-arregaçadas (se forem do CDS e estiver uma aragenzinha, o blazer azul-marinho com botões dourados deverá completar a toilette), na ponta mais à esquerda a “farda” é “quanto mais janado melhor” (também apreciada pelos seus partidários mais entradotes). Estes pequenitos inspiram apenas os seus siameses. Aos outros causam urticária. Como exemplo acabado deste pasmatório é o caso daquele idoso de 30 anos a cheirar a mofo que é presidente do CDS, cujo maior atrevimento foi instigar os amiguinhos a vaiar Pires de Lima no congresso em que foi eleito (carência de colher-de-pau no rabo quando era ainda mais pimpolho).
Para além desta falta de magnetismo dos líderes e das estruturas políticas, outra das causas para o alheamento dos mais novos em relação à participação política, poderá ser a desadequação do discurso político em relação às suas reais expectativas. Um manifesto político, mesmo equilibrado e coerente, em regra, fica-se por princípios mais ou menos vagos, não trespassando a fronteira para o campo do concreto. Penso convictamente que uma mensagem dirigida àqueles cujo futuro se desenha HOJE, e que seja capaz de os cativar e mobilizar, terá de ser incisiva, objectiva e corpórea. Que seja capaz de lhes transmitir, de forma clara, o que a opção política A ou B poderá mudar nas suas vidas.
Se o abstencionismo jovem (e não só) na Europa é preocupante, em Portugal e muito particularmente em Pombal assume níveis absurdos. Este antilogismo tem-se replicado de acto eleitoral para acto eleitoral, sem que dê sinais de contraversão. Quem se atrever, com sucesso, a conglutinar o voto dos jovens desavindos (não o dos porta-bandeiras; esses votam sempre), arrisca-se a ababelar a geometria do poder. Não me parece que esta baralhação possa vir a resultar do processo de identificação desta fatia do eleitorado com os líderes políticos cá da terra. Teríamos de ser muito devotos para acreditar num tal milagre. Sou mais crente que possa sobrevir das propostas políticas, do seu grau de tangibilidade e da forma como estas são amplificadas e alvissaradas. “Como”, neste contexto, é seguramente mais do que um advérbio interrogativo: “Como vamos criar um clima propício para a criação de mais e melhores empregos?” “Como vamos dar resposta à falta de oferta de habitação jovem?” “Como vamos criar uma dinâmica cultural estrutural?” Saber dar resposta, de forma assertiva, sem subterfúgios, com verdade e com agudeza, a estas questões e a outras pertinentes, talvez possa recapear de alguma sensualidade o cinzento mais taciturno e despertar um pouco o irrefreável vulcão há tanto sopitado.
Aníbal Cardona
Consultor/Formador
*O autor deste artigo acha que o novo acordo ortográfico precisa de uma “Primavera”.