Os “12 Trabalhos de Astérix” é o título de um livro de banda desenhada, fruto do talento e da imaginação galopante dos mestres René Goscinny e Albert Uderzo. Nesta aventura, os nossos heróis, Astérix e Obélix (que dispensam qualquer apresentação), são desafiados por Júlio César a realizar 12 tarefas consideradas apenas alcançáveis pelos deuses. Se fossem capazes de tamanha proeza, César conceder-lhes-ia o controlo do Império Romano. Se não conseguissem, submeter-se-iam definitivamente ao domínio de Roma. A ideia de instigar os nossos heróis a realizar tão exigente empreitada, não era absolutamente original. César inspirou-se numa sucessão de acontecimentos espoletados por um longínquo episódio de violência doméstica ocorrido na Grécia antiga. Mais concretamente numa freguesia onde viviam os deuses. Apesar de não existirem dados científicos que o comprovem, diz-se que Hércules chegou a casa com um “copito a mais”. Ao ver o seu marido chegar a casa naquele estado, a sua esposa, Mégara, azucrinou-o tanto, que Hércules num acesso de fúria (porventura, esquecendo-se de que tinha uma força sobre-humana), matou-a e aos três filhos. Quando lhe passou a bebedeira, Hércules arrependeu-se amargamente do que havia feito e remeteu-se ao mais solitário retiro. Ao ver o seu primo naquele estado, Teseu aconselhou-o a visitar o Oráculo de Delfos, para que este lhe indicasse uma penitência que permitisse recuperar a sua honra. E assim foi. O Oráculo destinou-lhe 12 tarefas; uma vez cumpridas, o seu nome ficaria “lavado”. Como prémio suplementar, também se tornaria imortal.
Apesar dos efeitos prodigiosos da poção mágica dos gauleses e da força excepcional de Hércules, levar a cabo estes 12 empreendimentos, deu “água pela barba” aos desafiados, ao ponto de ficarem à beira de quebrar. Para Astérix e Obélix a prova em que estiveram mais perto do malogro foi a da sua estadia numa ilha povoada por belas sacerdotisas do prazer. Aos nossos heróis foi pedido que resistissem aos seus encantos. Esta demanda só foi coroada de sucesso porque Obélix constatou que na ilha não havia javalis e “pôs-se ao fresco”, carregando o seu companheiro já meio enfeitiçado. O trabalho em que Hércules sentiu mais dificuldades, foi limpar, em apenas um dia, os currais do rei Aúgias, que continham três mil bois e que há trinta anos não eram limpos. Aqui, o que ajudou Hércules foi o facto de estar com o nariz um pouco entupido por ter dormido a noite anterior com os pés destapados. Mas apesar das dificuldades, tanto Astérix e Obélix, como Hércules, foram bem-sucedidos. Quem não ficou nada satisfeito com o sucesso dos inseparáveis Astérix e Obélix foi Júlio César. Furioso, deu o dito por não dito em relação à concessão do domínio do Império Romano, mas teve de concordar com a continuação da soberania da pequena aldeia da Armórica.
Qualquer livro de História descreve Júlio César como uma personalidade astuta. Neste caso, não transparece essa qualidade. Talvez fosse mais bem-sucedido se, em vez de confrontar os irredutíveis gauleses com 12 difíceis desafios, mas fáceis de avaliar quanto à sua concretização, os confundisse com trabalhos mal definidos, mas compartimentados, sobreponíveis, insipientes e de difícil avaliação de resultados. A Júlio César faltou a astúcia do novo presidente da Câmara Municipal de Pombal. O nosso novo edil, com o objectivo de confundir vereadores, serviços camarários, cidadão e ele próprio (SÓ PODE!), optou por decretar 50 pelouros na estrutura administrativa do Executivo da Câmara. Desta escolha, NÃO RESULTA CLARO QUE SAIBA QUE UM PELOURO CORRESPONDE A UMA ÁREA DE GOVERNAÇÃO. E que cada área de governação deverá ser claramente conectável com a própria estrutura organizacional da Câmara. Para que possamos visualizar com mais clareza a magnitude do absurdo, podemos propôr um exercício académico: “A Aquisição de autocarros eléctricos para servir a rede Pombus”. Esta tomada de decisão seria acompanhada por que pelouro? Pelo pelouro dos Transportes e Mobilidade? Parece-me óbvio que sim. Mas a opção pela mobilidade eléctrica não dirá também respeito ao pelouro da Transição e Eficiência Energética? E o pelouro da Ecologia, Ambiente e Acção Climática não terá também uma palavra a dizer? Para adensar a confusão, cada um destes pelouros está distribuído a vereadores distintos.
Não obstante a obsessão pelo detalhe exibida pelo nosso presidente, causa alguma perplexidade NÃO EXISTIR UM PELOURO DA SAÚDE. Isto apesar das competências delegadas aos municípios nesta área tão importante. No longo cardápio de pelouros criados, aquele que mais se aparenta com a Saúde é o pelouro da Promoção da Saúde. Um qualquer cidadão minimamente informado, saberá que SAÚDE E PROMOÇÃO DA SAÚDE, NÃO SÃO UMA E A MESMA COISA. Enquanto a Saúde corporiza a gestão criteriosa de um recurso com o intuito de proporcionar ao cidadão um serviço adequado e de qualidade, a Promoção da Saúde centra a sua atenção nos comportamentos quotidianos e nas circunstâncias em que estes se processam. CONFUSOS? TODOS ESTAMOS!
Mas a “cereja no topo do bolo” desta vertigem de artificialidades é, sem dúvida, o PELOURO DA FELICIDADE. Apesar de parecer, esta não é uma ideia absolutamente singular. Em tempos houve um “político” com uma ambição semelhante: Manuel João Vieira, quando se propôs a candidato à Presidência da República, prometeu que se fosse eleito daria um FERRARI E UMA BAILARINA RUSSA a cada português. ISTO SIM, É FELICIDADE! Mas como o orçamento da Câmara Municipal é demasiado exíguo, conhecendo o histórico, será verosímil admitir que a opção possa recair na realização de palestras motivacionais: “evangelização” para a felicidade através do método científico da “BANHA DA COBRA”.
Aborrece-me apenar um projecto quando ainda está no seu início. Mas tenho de admitir que estou tão optimista quanto o Jorge Jesus estava ao entrar no corredor de acesso ao Allianz Arena de Munique. Uma coisa é certa: se Júlio César se lembrasse de desafiar Astérix e Obélix para tão emaranhada demanda, palpita-me que a pequena e pitoresca aldeia gaulesa não escaparia à Romanização.
Aníbal Cardona
Consultor/Formador
* O autor deste artigo acha que perceber o sentido do novo acordo ortográfico é um desafio digno de Astérix e Obélix.