Quando era pequeno, fui com os meus pais ver o cortejo carnavalesco da Mealhada. O tempo, para além de frio, estava chuvoso. O primeiro facto que me causou perplexidade foi a reduzida indumentária dos foliões (sempre achei este termo estúpido), nada condizente com a intempérie que se abatia. Mas o que recordo, com mais clareza, foi a histeria generalizada quando se aproximou o carro alegórico que transportava o “Rei do Carnaval”. Foi tal a euforia que, antes que o meu pai tivesse tempo de me pegar ao colo, levei umas quantas joelhadas nas costas, pisadelas e empurrões. Mas qual teria sido a razão de tão absurda e alienada reacção? Só a fiquei a saber quando já vínhamos no carro de volta para casa. O “Rei do Carnaval” era um actor brasileiro da telenovela da moda. Este episódio determinou que não sinta qualquer tipo de entusiasmo pelo Carnaval, mas, por outro lado, aguçou-me a curiosidade sobre a Psicologia das Massas., ramo ilustre da Psicologia Social.
A fórmula de sucesso do Carnaval da Mealhada, apesar de simplista, foi eficaz: “cavalgou” o sucesso das telenovelas brasileiras da altura e encheu a “casa”. Para o actor brasileiro (do qual não recordo o nome) também foi catita; apesar da chuvada que apanhou no lombo, levou no bolso um generoso chequezito para o Brasil. Para os FÃS das novelas então… para esses, foi o delírio. Estiveram a escassos metros do seu “mais que tudo”. SIMBIOSE PERFEITA. Este conceito também é muito apreciado por bares e discotecas que, para incrementarem a afluência, convidam (e pagam) gente “famosa” para abrilhantar as suas festas.
O “famoso”, a partir do momento em que assume essa condição (tantas vezes efémera), tem uma capacidade singular de atracção. Especialmente do FÃ. Enquanto houver FÃS dispostos a fazer vénias a entidades que reconhece como sobre-humanas (reconhece isso porque é um verdadeiro FÃ), a formulação tem sucesso garantido.
A Política, como ciência que exponencia a manipulação das massas, também não poderia ficar indiferente a esta curiosa forma de SIMBIOSE. São múltiplos os exemplos em que os regimes políticos usaram e abusaram dos “famosos” para se promoverem, criando um artificial efeito de assimilação do mérito dos seus feitos. Eusébio chegou mesmo a ser considerado património nacional por Oliveira Salazar, para impedir a sua saída do país, rumo ao Inter de Milão.
Mas os tempos são outros. A mediatização das figuras nacionais dos partidos foram, progressivamente, atribuindo-lhes também o estatuto de “famosos”. O maior exemplo do efeito dessa mediatização é, sem dúvida, Marcelo Rebelo de Sousa. Antes do “boom” dos média, apesar das suas tentativas de dar nas vistas (até chegou a chamar os jornalistas para assistirem a uma banhoca no Tejo quando era candidato à Câmara de Lisboa), não passava de um actor político relativamente desconhecido do grande público. A partir do momento em que se tornou comentador televisivo, iniciou a trajectória fulgurante que conhecemos, e que culminou com o seu establishment como o político mais consensual da história da nossa democracia. Evidentemente que o seu inquestionável carisma contribuiu decisivamente para isso.
As cúpulas partidárias, aproveitam esse estatuto de popstar que os média lhe proporcionaram para se intrometem nas disputas autárquicas. E fazem-no obedecendo a dois padrões diferentes. Os mais corajosos e predispostos para o combate político, aceitam candidatar-se a Câmaras importantes que estão nas mãos de outros partidos. Se forem bem-sucedidos, arregimentam para o seu partido a governança de um território com significado e para si um progresso na estrutura hierárquica do partido. Outros, os (muito) menos arrojados, descem do pedestal para se candidatarem a cargos autárquicos menos exigentes em assiduidade e, invariavelmente, em territórios cuja vitória está praticamente assegurada. Neste último caso, o território não beneficia em nada. A não ser, poder afirmar que houve um VIP que, apesar de nada saber sobre a terra a que se propõe, um dia, lhe dedicou alguma atenção. O ilustre (não que isso tenha grande importância para si) sempre pode pôr lá no currículo que foi a votos e ganhou. Pode ser que lhe dê jeito no futuro.
Mas o que faz funcionar (ou não) estas equações é o povo. O povo é soberano. Só que lá pelo meio também existem FÃS (os tais que se sentem bem só de saberem que podem partilhar o mesmo metro cúbico de oxigénio com alguém que aparece na televisão). Só para os FÃS esta jigajoga política poderá ter alguma coisa a ver com SIMBIOSE. No dia 26 saberemos quantos de nós confundem a realidade com o BIG BROTHER FAMOSOS.
Aníbal Cardona
Consultor/Formador
*O autor deste artigo acha que se tem de ser muito FÃ do “novo acordo ortográfico”, para o achar digno da nossa ENORME LÍNGUA PORTUGUESA.