Graciosa Gonçalves, Professora
graciosa.goncalves@sapo.pt
Evidência péssima: após ser responsável por provocar tantas lágrimas e sorrisos, graças aos personagens que encarnou tão bem, Robin Williams, um dos meus atores favoritos, partiu. Evidência excelente: permanecem as extraordinárias e intemporais lições de vida patentes em filmes como “Dead Poets´Society- O Clube dos Poetas Mortos” (1989), “Patch Adams” (1998) e “Good Will Hunting- O Bom Rebelde” (1997). Destaco este último filme, que acabo de rever, pelo interesse de que se reveste não só o incrível percurso do protagonista (Will Hunting, encarnado pelo ator Matt Damon), mas também pela forma paciente e perseverante como o professor e psicólogo Sean Maguire (Robin Williams) lida com a especificidade do temperamento daquele jovem génio, fazendo emergir o que ele tem de melhor e que estava escondido por um passado repleto de trevas.
“Nunca olhar para trás”. Dou por mim a concluir que esta não é uma mera frase feita que se diz para aliviar dores próprias ou alheias. Não. Este é, sem dúvida, um princípio muito útil na vida quotidiana e também a mensagem comum ao filme acima referido e ao penúltimo livro que li: História de um caracol que descobriu a importância da lentidão do escritor chileno, Luís Sepúlveda. Aparentemente dirigido aos jovens, é, essencialmente um livro para os adultos reaprenderem algo esquecido e/ou oculto pelas teias das obrigações e da pressa. Este livro nasceu, conforme o autor conta numa espécie de nota introdutória, de uma pergunta de criança: “Porque é tão lento o caracol?” O autor, que naquele momento não soube responder ao seu neto Daniel, prometeu-lhe, porém, que haveria de encontrar uma explicação. Cá está ela, por escrito. Aqui se conta acerca da rebeldia de um caracol que queria ter nome e não percebia a razão por que era tão lento. Pediu ajuda ao mocho de olhos fechados. “Abro-os à noite e vejo tudo o que há; durante o dia fecho-os e assim vejo tudo o que houve.” Disse-lhe, esta ave, que era lento porque carregava um grande peso. Ela própria carregava lembranças que a impediam de voar. O caracol não se convenceu e seguiu viagem. Lentamente, muito lentamente. Seria um outro animal de igual lentidão, a tartaruga, que lhe daria as respostas certas e despoletaria nele as perguntas que lhe faltavam. Foi também ela, que se chamava Memória, que batizou o caracol com o nome Rebelde: “A tartaruga procurou, com mais calma do que o habitual, as palavras para responder e contou-lhe que durante a sua permanência entre os seres humanos tinha aprendido muitas coisas. Assim, explicou-lhe que quando um humano fazia perguntas incómodas, do género “é preciso ir tão depressa?” ou “a sério que necessitamos de tudo isso para sermos felizes?”, era apelidado de Rebelde.” A linguagem é poética e o ilustrador, Paulo Galindro, ilumina-a com expressividade, imaginação e deliciosas notas de humor.
Assim, o caracol voltará a casa, o País do Dente-de-Leão, mais sábio e corajoso, embora as constantes dúvidas tenham sido as mais fiéis companheiras na sua demanda. Com ele, os companheiros vão saber finalmente o que é a liberdade. Mas devagarinho, sem pressa porque, como sabiamente diz o povo, “Depressa e bem não faz ninguém” e “Devagar se vai ao longe”. Também Will Hunting, o rapaz da limpeza que resolvia problemas matemáticos de forma genial, fez o seu caminho emocional muito lentamente, tropeçando a cada instante nos pedregulhos do preconceito, tentando esconder-se do verdadeiro amor (por julgar não o merecer), evitando sair da esfera confortável do mundo racional que conhecia para o fascinante mundo das emoções vestidas de pontos de interrogação. Mas não o fez sozinho. Dessa parceria resultou um homem novo, de alma lavada pelas lágrimas que lhe escaparam, torrencialmente, dos olhos.