Os dados preliminares dos Censos à população comprovam aquilo que já era antecipado por numerosos indicadores: a acelerada perda demográfica das regiões do Interior e uma deslocação dos portugueses para as cidades do litoral.
O drama não é tanto que o país veja reduzida a sua população. Há análises sérias a apontar para que a população adequada a um território como Portugal se situe na orla dos oito milhões de habitantes.
O drama é um conjunto de outras evidências. Desde logo, que no “Interior” alastra uma espécie de deserto. O qual começa cada vez mais “às portas” do Litoral e muitas vezes logo a seguir à periferia das grandes cidades. Das grandes cidades, aliás, porque até esse dado merece precisão. Na realidade, só de Lisboa e Porto. É que o país não se urbanizou de forma equilibrada, apesar de ter criado alguns polos urbanos dinâmicos em todo o território, alimentados essencialmente pelas populações vindas das respetivas áreas rurais. O país metropolizou-se, em detrimento do povoamento equilibrado do espaço nacional. E metropolizou-se em torno de Lisboa, com algum mimetismo na zona Porto/Braga.
Depois, há a expressão sociográfica destes dados. O Interior tem menos gente, mas sobretudo menos gente nova. Os desequilíbrios geográficos da população são também etários. Malgrado as políticas de incentivo à fixação de jovens casais e profissionais nas regiões do interior, acentua-se a perda de dinamismo demográfico nestes territórios. Ditos de “baixa densidade”, qualquer dia designar-se-ão talvez de “densidade nenhuma”.
As razões para um fenómeno de tamanha amplitude são várias. No que toca à gestão territorial do desenvolvimento, que incumbe ao Estado central e às autarquias locais, muito haverá a dizer. Apesar de não se poder atribuir-lhes todas as causas da depressão demográfica do interior (não somos comandados mecanicamente pelas administrações públicas, felizmente), os poderes públicos, nacionais e locais, estão longe de corresponder às suas responsabilidades na matéria. Entre outras coisas, porque por detrás da ação pública em Portugal estão os partidos políticos. E todos têm preferências centralistas, na governação nacional como na maneira como reproduzem, a nível autárquico, as formas de hierarquia e centralismo enraizadas na cultura estatal. Os partidos de esquerda são centralistas por razões de filosofia política e respetiva mentalidade burocrática, os de direita porque isso facilita o tipo de “sociedade civil” que gostam de associar à sua governação — os grandes poderes empresariais e conglomerados de negócios nas áreas da banca e seguros, saúde, educação e até associativismo e Terceiro Setor —, com que depois preenchem o território nacional.
O resultado é a gestão top down de Portugal a partir de Lisboa, onde se estabeleceu uma imensa máquina público-privada, mastodôntica, partidarizada, trôpega e não raro corrupta, que levou até junto dela o grande investimento em Hospitais, Universidades, Ciência, Transportes, Desporto, Cultura, serviços, pessoas e talentos de toda a ordem, erguendo, muitas vezes a partir de poderes localizados ninguém sabe onde, a aberração territorial que hoje é Portugal. Neste quadro, muito depende do Orçamento do Estado e das políticas públicas, na sua aptidão para corresponder a interesses situados no centro ou nas periferias, ligados pelo cordão umbilical dos partidos políticos ou dos conglomerados geridos a partir da capital ou da “globalização”. O essencial do “desenvolvimento” faz-se através de grandes empresas públicas ou ex-públicas, de consórcios dependentes de legislação a preceito e apoios cirurgicamente montados a partir do Estado, com o braço dourado de grandes sociedades de advogados lisboetas a amparar.
Um mar de compadrios, fechados em lógica corporativa ou familiar, alimentado por uma montanha de dívida, pública e privada, se perfilou assim no horizonte das novas gerações. Que não encontram opções de vida a nível territorial que não passem por sucessivos estados de precariedade e salários baixos. Nesse sentido, o elemento de “qualidade de vida” que o Interior ou as zonas rurais podem proporcionar esfuma-se perante as necessidades de sobrevivência que os mercados (de trabalho e consumo) organizados em torno das cidades podem, ainda assim, satisfazer melhor.
Para ajudar, a cultura política (e mediática) estabelecida em Lisboa, e não só, odeia o pensamento regional. E do que o território hoje precisa não é tanto de políticas locais, as quais não obstante vão sendo concretizadas, melhorando as condições de acolhimento de famílias (estão mais bonitas e organizadas as nossas pequenas e médias localidades) e empresas. Do que o país necessita é de políticas regionais com visão (isto é, ciência e algum idealismo), que associem o desenvolvimento local (pelo menos em parte) a grandes linhas traçadas para as regiões e o país. Desde logo, há que conformar a ação governamental às características reais de cada território, fazendo destas o princípio e o fim da política nacional. Desta forma se pode imaginar uma cultura territorial do desenvolvimento, onde tecnologia, natureza e economia confluam. E deixar, já agora, de continuar a enganar a União Europeia, que tanto dinheiro tem enviado para uma coesão regional que afinal não se fez.
Pombal é sintomático deste quadro geral. Perdeu população nas freguesias de um “interior” que vê chegar quase às portas da cidade, enquanto esta alargou o seu perímetro. É claro, cada concelho e freguesia inscreve a sua história no quadro geral do país, da Europa ou do mundo. Por regra, uma sociedade com maior presença da mulher no mercado de trabalho, no espaço público e na gestão familiar tem menos filhos. Isso é um dado adquirido da modernidade e aconteceu em Pombal, como em toda a parte onde as políticas de natalidade não são fortemente promovidas com incentivos públicos (em França ou nos países nórdicos, dotados de fortes estímulos à vida familiar, há uma regressão demográfica menor que noutros países desenvolvidos, a quem só a emigração vale como fator de equilíbrio).
O caso de Pombal terá, por outro lado, a ver, na sua especificidade, com uma certa perda, nacional e regional, de influência (fatalmente, junto do Estado central e dos centros de decisão pública e empresarial), a qual se traduz no distanciamento face ao radar do investimento, nacional e estrangeiro. Além disso, os novos processos de industrialização, que o concelho procura trilhar, requerem menos mão-de-obra (são mais capital intensivos), enquanto permanece um setor industrial de natureza mais extrativa, pouco inovador e de mão de obra intensiva, assente em baixos salários e numa precariedade que alastra ao setor dos serviços à economia e às pessoas, que se tem vindo a expandir um pouco por todo o concelho. Isto fez reativar a cultura de emigração presente em muitas famílias, mormente nas freguesias rurais, e estendê-la a famílias urbanas que ainda desconheciam o fenómeno. Ao cenário de precariedade e horizontes reduzidos, com preparação cultural e científica mais “globalizada” e menos orientada para perspetivas de enraizamento, os jovens partem, em direção a Lisboa ou ao “mundo”, corporizando a drenagem de ativos que os Censos evidenciam. Deles vem o silencioso veredicto contra uma realidade concelhia que por razões gerais, mas também inabilidades próprias para forjar novas condições de atratividade, nas múltiplas vertentes da inteligência territorial em que isso hoje se faz, assiste, algo impotente, a um outono demográfico de todos os descontentamentos, sem a energia (que já teve) para reverter os indicadores estatísticos mais alarmantes.
Daniel Francisco
Sociólogo