A partir do Casal Fernão João, a Associação Os Amigos da Anita leva ajuda a famílias de vários pontos do país. No sábado entregaram, em Coimbra, enxovais para bebés nascidos na Maternidade Bissaya Barreto
A antiga escola primária do Casal Fernão João pode já não ser espaço de aprendizagens, mas ganhou, há cerca de um ano, uma nova vida. É ali que tem sede a Associação Os Amigos da Anita, uma plataforma independente de voluntariado na área da acção social e que tem como ponto de partida a reutilização de vestuário, calçado, brinquedos e outros artigos mais. O importante é que façam a diferença no dia-a-dia de alguém.
Ainda que a doação a famílias carenciadas seja um dos conceitos associados ao projecto, a associação procura incentivar também a troca, numa perspectiva de “sustentabilidade”, como explica Ana Rita Santos, a jovem arquitecta impulsionadora desta plataforma. Apesar dos esforços para promover esta prática entre a população, muito em voga noutros países e sem qualquer relação com questões de cariz económico, a adesão tem sido escassa, mas Ana Rita mostra-se esperançada que as mentalidades venham a mudar. “É como quando os irmãos e primos passam a roupa de uns para os outros. Gostávamos de potenciar essa vertente”, exemplifica.
É neste imenso horizonte de solidariedade, sem barreiras burocráticas ou fronteiras físicas, que tomam parte as inúmeras campanhas que o projecto abraça ao longo do ano, sempre com o objectivo de sensibilizar as famílias para a doação de bens que já não façam falta, mas que que venham a fazer a diferença na vida de alguém.
Foi precisamente para falar sobre a mais recente acção de solidariedade que nos receberam na manhã de sábado passado, dia 17, por entre as muitas tarefas que tinham em mãos e poucas horas antes de rumarem a Coimbra para completarem, com sucesso, mais uma missão. Na bagageira dos carros de alguns voluntários seguiram os enxovais – num total de 38 – que foram entregues à ADAV Coimbra, a Associação de Defesa e Apoio à Vida que apoia mães com dificuldades económicas, assistidas na Maternidade Bissaya Barreto. Cada um dos kits de bebé – 12 de menina e 26 de rapaz – foi preparado com peças de roupa (cuidadosamente lavadas pel’Os Amigos da Anita), produtos de higiene e um brinquedo. Os Amigos da Anita responderam assim, pelo segundo ano consecutivo, a esta iniciativa. Concluída esta tarefa, a associação tem já outra missão em curso. Chama-se “Aquecer Coimbra” e consiste na recolha de agasalhos e cobertores, destinados aos sem-abrigo.
“Temos uma listagem do que nos chega e vamos encaminhando em função das necessidades”, esclarece a presidente da direcção. Mas para que tudo esteja a postos para seguir destino, há que levar a cabo um imenso trabalho de triagem. As dezenas de sacos que se amontoam no hall de entrada mostram a dimensão do muito que há sempre para fazer. Dentro deles há sobretudo roupa, calçado e brinquedos. Para as peças estarem devidamente arrumadas, são precisas muitas horas de dedicação por parte dos 15 voluntários que integram o projecto. Mas aqui ninguém se lamenta. O tempo flui ao sabor do gosto com que abraçam esta causa.
Trabalho discreto mas importante
Com seis anos de vida, a associação é hoje uma referência na área social, fazendo chegar apoio a vários pontos do país e fora dele, através de instituições que lhes batem à porta: a ADAV Leiria e de Coimbra, a Associação Integrar (Coimbra), A Minha Gente (Coimbra), a Sorriso, o Ninho dos Pequenitos, a Laço sem Nós, a Cruz Vermelha, a Cáritas e os Samaritanos (Porto), a Afectos com Letras (Guiné), a Casa do Canto (Alvaiázere) e a Obra do Frei Gil (praia de Mira). “A partir desta aldeia, estamos conectados para todo o mundo”, afirma Ana Rita. O trabalho vai, porém, ainda mais além. “O nosso primeiro objectivo era apoiar essas pessoas que não vão à cidade buscar apoios e que também não estão sinalizadas”. Contudo, e atendendo à vergonha que ainda existe em pedir ajuda, a associação tem conseguido apoiar inúmeras famílias integradas no Serviço Nacional de Intervenção Precoce, por intermédio da CERCIPOM. Os pedidos de ajuda vêm sobretudo de aldeias localizadas em concelhos do Interior Norte do distrito de Leiria, “onde existe muita pobreza”, constata Ana Rita.
A Cercipom encaminha para a associação “as famílias que podem cá vir buscar os artigos, mas como eles fazem o atendimento e vão esporadicamente às famílias, também levam o que é preciso”, explica. A presidente da associação não tem dúvidas de que “há muitas necessidades nas aldeias”, ainda que sejam “diferentes dos meios urbanos, onde já há diversos mecanismos de apoio”. “Acabámos por verificar que fazemos a diferença nessas situações, ou seja, noutras aldeias onde já não se sentem constrangidos em vir pedir ajuda”.
O ambiente familiar da associação, o dar sem questionar e a ausência de burocracias também ajudam a atenuar o constrangimento sentido noutros locais. “As pessoas sentem-se à vontade e dificilmente sentem vergonha. Além disso, não fazemos perguntas”, sublinha Ana Rita.
O desejo de fazer voluntariado
Foi da vontade de Ana Rita de dar utilidade ao que tinha e já não precisava que nasceu a plataforma. Com este projecto, a jovem arquitecta cruzou dois anseios: por um lado, “tinha coisas em casa que não precisava e não sabia onde arrumar e, por outro, fazer voluntariado era um desejo de há muito, “talvez por influência de outros países onde estive, onde o trocar não parece mal”. Concebida a ideia, o passo seguinte foi desafiar vários amigos, que rapidamente se dispuseram a colaborar. É dessa amizade que resulta, aliás, o nome do projecto, inspirado também na sua impulsionadora, a “Anita”, como é conhecida.
Até 2015, foi no salão da capela do Casal Fernão João que foram dando resposta às solicitações, ainda que com algumas limitações. Nesse ano, e mediante um protocolo com a Câmara Municipal, mudaram a sede para um das salas da antiga escola primária. As condições ainda não são as ideais (não há água e é preciso fazer pequenas intervenções), mas o grupo de voluntários mostra-se satisfeito com o novo espaço, que ‘obrigou’ também o projecto a constituir-se como associação sem fins lucrativos.
A Associação Os Amigos da Anita está aberta três dias por semana: às terças e quintas, das 18h30 às 19h30, e aos sábados, das 10h30 às 12h30. No entanto, o horário é flexível e, sempre que solicitados, atendem fora do que está estipulado. Basta, para isso, ligar para o 917 781 464 ou enviar email para amigos. anita@gmail.com. “Temos as portas abertas, tanto para receber como para entregar”, explica a presidente, que enaltece a importância deste “contacto directo”.
Em qualquer um daqueles dias, “as pessoas podem entregar roupa, calçado, brinquedos, livros e outro tipo de material”, ou procurar ajuda. Além disso, o espaço está também sempre disponível para trocas. “Quem nos procura, durante a semana, é sobretudo para vir entregar e o sábado é mais para virem levantar”, frisa Ana Rita.
O trabalho da associação pode ser também acompanhado através da página de facebook, onde são divulgadas as campanhas e apelos para fazer face a necessidades imediatas e muito específicas de famílias.