António Pires
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O programa de rescisões por mútuo acordo da função pública conheceu no sábado a derradeira etapa do programa para docentes: a resposta aos pedidos, e esta só foi positiva para pouco mais de metade dos interessados.
Até gosto do programa, que já abrangeu diversas áreas profissionais, já que me informam que há trabalhadores a mais no estado.
Por outro lado, preocupo-me. Quando leio ou ouço conhecidos a falarem-me das motivações que concorreram para os pedidos de rescisão, as que vêm à cabeça no rol de justificações são a desmotivação e os outros projetos. Compreendo ambas. Quanto à desmotivação, de facto, os trabalhadores aos ingressaram no estado estabeleceram um contrato que pressupunha determinadas condições, exageradas (?), talvez, não sei, é sempre subjetivo, mas eram essas as condições que justificaram a escolha pelo sector público ou por uma determinada carreira. Anos mais tarde, o mesmo estado impõe a estes trabalhadores, numa altura das suas vidas em que a maioria já não tem possibilidade de fazer outra opção profissional, constrições, sem opção de negociação, sem explicação, a que acresce uma onda social de descredibilização do funcionário público, numa quase difamação vergonhosa.
Sobre os projetos dos candidatos a rescisores, lamento que as capacidades empreendedoras não possam ser colocadas em prática em prol do setor público. Aliás, desde há um par de anos, comecei a enjoar por ouvir falar tanto em empreendedorismo num tom incompreensivelmente redutor. Entendo tratar-se de uma atitude que é necessário incutir na população ativa e pré ativa, mas às tantas começou a ficar-se com a sensação que cada português deveria abrir a sua loja de quinquilharia, numa espécie de mercado marroquino, vendendo chouriços e bonecas de trapos. Esqueceu-se que o empreendedorismo obriga a uma postura de proatividade, criatividade e capacidade de pôr em prática ideias e inovações, mesmo se o trabalhador o faz por conta de outrem, com o objetivo de impulsionar e modernizar a empresa ou organismo onde trabalha. E quanto a esta última parte, de facto, o estado é atrofiante.
Com isto, começo a temer que o setor público esteja a perder os seus melhores funcionários, transformando-se numa máquina de incompetentes e mercenários. Já agora explico o último denominativo, considero um funcionário mercenário aquele que é bastante bom no que faz, mesmo muito bom, mas que só faz exclusivamente o que o promove e está-se nas tintas para a instituição. Acontece muito no estado e a culpa é, invariavelmente, das lideranças.
A questão do privado tem a ver com as lideranças e essas são muitas vezes melhores e mais simples que as públicas.
O meu pai, que geria um determinado setor de uma grande fábrica têxtil no norte do país, tinha uma genuína dedicação à fábrica, não pensando duas vezes se tinha de sair tarde ou de interromper as férias para tratar um problema. Esta dedicação de todos funcionários era premiada frequentemente pelo patrão e dono da fábrica, permitindo, no caso do meu pai, proporcionar aos 4 filhos e à mulher uma vida confortável e com alguns e bons excessos. No setor público esta é uma situação quase impensável. Um funcionário nunca é recompensado, independentemente da sua dedicação, a linha hierárquica é de tal forma complexa que o chefe tem um chefe que tem um chefe e, por isso, muitos chefes não podem permitir que um seu subordinado seja bom, seja empreendedor, por temerem poder deixar de ser chefes, é assim necessário granjear a mediocridade e a subordinação. Um funcionário faz formação e, quando volta ao trabalho, tem as mesmas funções que antes. A avaliação é inócua, com parâmetros tolos e tão inconsequente que nada mede, que nada altera. Os salários são baixos, é que o são mesmo!
Aqui, portanto, o que está mal, o que é incapaz não é o funcionário é toda a estrutura e é nesta que é premente mexer-se. A situação é tal que, se os funcionários públicos tivessem alternativa de empregabilidade, Portugal ficaria com um estado reduzido aos chefes.