“Esse sonho em que me dizes
Que nós vamos ser felizes
Para lá desta vida minha
Mas dói tanto esperar
E saber que ao acordar
Vou voltar a estar sozinha”
A beleza e o significado desta letra da autoria do filho João, do poema “Quando amanhece e não estás”, interpretada pela voz forte e melodiosa da fadista, acompanhada pelo som único da guitarra portuguesa do Ricardo e da viola do João, constituíram um momento especial na Gala de Homenagem a António de Oliveira Silva (TÓ SILVA), na passagem de um ano sobre a data em que nos deixou. E a cadeira vazia no palco, tendo ao lado a sua guitarra portuguesa que lhe era tão querida, tinha o efeito fantástico de relembrar a sua majestática presença em palco, entrando, como era habitual, ao som da guitarra e da viola, magistralmente dedilhadas pelos seus filhos João e Ricardo, nos espetáculos que tão bem recordamos. A sua imagem projetada no écran do Cine – Teatro de Pombal, conseguiu o efeito surpreendente de tornar quase real a sua presença no palco. E a projeção do filme relativo a um dos seus últimos espetáculos, cantando o “Meu Pombal”, tornou ainda mais místico aquele momento inesquecível. Conheci o TÓ SILVA há muitos anos, em simples mas agradáveis conversas de café. Além do benfiquismo que nos unia, demonstrava preocupação pelo futuro dos dois filhos e pelo modo como os haveria de ajudar a preparem-se para a vida. Tentou o futebol, para que os três tinham jeito, mas especialmente ele. Jogou em vários clubes dos concelhos de Pombal e de Ansião, tendo composto os hinos do Grupo Desportivo da Pelariga e do Sporting Clube de Pombal, mas chegou à conclusão de que o caminho para os filhos não era esse e voltou-se, em boa hora, para a música, com o sucesso que todos conhecemos. Começou a tocar saxofone em S. Pedro do Sul, sua terra natal, onde, já residente em Pombal, mas ainda solteiro, ia aos fins-de-semana, de comboio, para tocar numa Banda que abrilhantava os bailes no salão dos Bombeiros de S. Pedro do Sul. Empregado de escritório numa firma de madeiras da Fontinha, Pelariga, pediu ao patrão para lhe trazer um saxofone da Alemanha, dado que o outro era da Banda. No, final dos anos oitenta, fundou o conjunto musical “La Folie” (um trio que agora, com os filhos, teve uma excelente exibição na Gala) e que atuava especialmente no Pub do restaurante “Cabaz Florido”. As músicas românticas de Nat King Cole e outras, eram magistralmente executadas, sobressaindo o som forte e melodioso do seu saxofone, para deleite dos assistentes, dançando ou ouvindo, até às tantas. Depois mudou-se para o Pub de outro restaurante: o “S. Sebastião”. Aí, recordo-me, especialmente, duma noite em que um grupo de rotários franceses que nos visitava, dançaram e cantaram, maravilhados, ao som das melodias do Tó Silva e dos “La Folie”. Foi uma noite fantástica que os portugueses e os franceses presentes nunca esquecerão. Entretanto os filhos, pequeninos, acompanhavam-no na “montagem do material” e iam ficando com gosto pela música. E, durante cerca de 11 anos, até 2001, os “La Folie”, estiveram na moda, tendo-se exibido em várias cidades do País, na Madeira e nas Canárias. Depois de uma passagem pela viola clássica, como autodidata, comprou a sua primeira guitarra portuguesa. Começou sozinho, mas entretanto viajava, duas ou três vezes por semana, até Vagos, ao encontro do Mestre Armindo Fernandes, que tinha acompanhado grandes fadistas como Amália e Carlos do Carmo e que interrompia o trabalho no seu restaurante para ensinar o aluno dedicado e atento. Trabalhou, aperfeiçoou, investiu nos filhos, dedicou-se ao fado e à música de corpo e alma. Dividia a sua atividade entre o trabalho como técnico oficial de contas (mais uma causa que abraçou, tendo feito exame com sucesso) e a dedicação à música. Profissional extremamente dedicado, vivia os problemas da empresa como se fossesua. As dificuldades do setor da construção resultantes da crise, constituíam uma preocupação permanente na sua vivência diária. Mas era a música e a guitarra portuguesa, a sua paixão. Por isso, se compreende o enorme investimento que fez em tempo e dinheiro, comprando os instrumentos necessários para um bom desempenho e progresso musical, especialmente para apoiar os filhos. Respondia sempre positivamente aos convites, quer para espetáculos de beneficência, quer para outros em que divulgava magistralmente o fado e a guitarra portuguesa. Mesmo em simples jantares de amigos, era normal pedirem-lhe para ir buscar a guitarra ao carro e ali, recatadamente, a sua alegria de viver contagiante, capacidade de improviso, competência e gosto pela música, tinham o condão de transformar um simples jantar numa festa, que ficava inesquecível. E nas músicas vinha sempre ao de cima o seu bairrismo pombalense, cantando o nosso hino, as figuras típicas pombalenses de outros tempos em letras e músicas pós-revolução de Abril, devidamente adaptadas e que todos cantávamos em coro, de modo alegre e feliz. Sempre levou a música muito a sério, exigindo que o público o ouvisse atentamente e em silêncio. Ficava mesmo zangado e com razão, quando se ouviam conversas enquanto atuava. O trio – Tó Silva e Filhos – teve muitas atuações em Portugal e no estrangeiro (Luxemburgo e Suíça), divulgando sempre Pombal nas suas atuações. Os seus méritos foram reconhecidos pelo Município de Pombal que lhes atribuiu, muito justamente, em Novembro de 2011, cerca de um mês e meio antes do seu falecimento, a Medalha de Mérito Cultural (grau ouro). No agradecimento, referiu que a condecoração não era só para os três, mas sim para quatro. Incluía assim a sua dedicada Esposa Isabel, dizendo que ser Esposa e Mãe de artistas não era fácil, gesto enternecedor, que caraterizava a sua maneira justa, honrada, sentimental, afável e amiga de ser e de estar. Há HOMENS que deveriam ser eternos. TÓ SILVA era um deles.
manuel.duarte.domingues@gmail.com