Uma migalha de descanso

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Há textos onde podemos descansar. São como redes que prendemos entre os ramos de uma árvore frondosa, numa tarde de verão. Estendemos nelas a nossa alma e o nosso coração, deixando que, cada frase, cada parágrafo lhes retempere as forças e lhes

restitua o ânimo. Há palavras que comemos e bebemos, sofregamente, até à última migalha, até à última gota. Saciam-nos, desde que, as pratiquemos. É o caso da palavra “abraço”. “Abraço” (2011) de José Luís Peixoto é, também, o título do livro que estou a ler neste momento. Trata-se de uma resenha de textos escritos pelo autor durante dez anos, entre 2001 e 2011, submetidos, posteriormente, segundo o próprio, a um meticuloso exercício de revisão/reescrita. É mesmo o livro ideal para ler quando se está mais cansado e se tem menos tempo, uma vez que não cria a obrigatoriedade de seguir um fio narrativo, por força da sua configuração. A chave para o abrir é um texto intitulado “os irmãos”, no fim do qual o narrador/autor assiste, embevecido, a uma cena de despedida em que os seus dois filhos se abraçam (“abraço sagrado”, nas palavras do próprio, em vídeo que serve de apresentação ao livro e que está disponível no you tube). A obra divide-se em três partes intituladas “seis anos”, “catorze anos” e “trinta e seis anos”, correspondentes às idades do filho mais novo, do filho mais velho e do próprio autor, respetivamente. Apresenta-se, assim, um registo reflexivo e intimista. Estamos perante histórias que nos fazem pensar, sorrir e, para os que, como eu, são da mesma geração do escritor, reviver muitas das nossas maravilhosas experiências de uma infância e de uma juventude “pré- computador” (o espaço “rua” era o reino que permitia todas as fantasias e voos infinitos para a imaginação). Efetivamente, sinto-me, muitas vezes, em perfeita comunhão de pensamentos e sensações com quem escreveu, como se fosse sua companheira de brincadeiras no largo da povoação onde nasceu (Galveias, Ponte de Sor) a 4 de Setembro de 1974. É licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Inglês e Alemão) pela Universidade Nova de Lisboa. A sua obra ficcional e poética figura em dezenas de antologias traduzidas num vasto número de idiomas e é estudada em diversas universidades nacionais e estrangeiras. Em 2001, recebeu o Prémio Literário José Saramago com o romance “Nenhum Olhar”, que foi incluído na lista do “Financial Times” dos melhores livros publicados em Inglaterra no ano de 2007, tendo também sido incluído no programa “Discover Great New Writer”s das livrarias norte- americanas Barnes & Noble. Os seus romances estão traduzidos em vinte idiomas. Repito, intencionalmente, há textos onde podemos descansar. Os que constituem este “Abraço”, de José Luis Peixoto, permitem isso mesmo, pois, em excertos como o que a seguir transcrevo, encontrei alguém que escreve aquilo que sinto (exercício de plena sintonia escritor/leitora), nomeadamente na partilha de afetos que sempre marcou o crescimento dos filhos dele e dos meus: “Nesse momento, eu e o André estávamos de mãos dadas. Segurar a pequena mão dele, sentir os seus dedos pequenos a agarrarem a minha mão é uma justificação óbvia para tudo. Vale a pena nascer, crescer, vale a pena a adolescência inteira, todos os sacrifícios (…) a responsabilidade, (…) sair pelo desconhecido e ter de estar preparado para o impossível, ler obras completas (…) comer sopa, aprender a fazer sopa, vale a pena lavar loiça para ter a oportunidade de segurar-lhe a mão”.

Graciosa Gonçalves